O coração, mesmo primordial em nosso corpo, não passa de um esquisito pedaço de carne sujeito a sua futura e certa decomposição. De repente a lógica se desfez, essa carne se fez verbo “Logos”, o coração se torna palavra e a matéria que antes condenada a se decompor num fim inevitável, agora é palavra que percorre os séculos sem atrasar nenhum dos seus batimentos, como música de tambores ritmados. Suas batidas bombeiam o sangue da alma, no qual os médicos poetas chamam de sentimentos. Esses, conforme sua natureza pura ou impura, percorrem vias arteriais ou venosas, respectivamente.
A ciência da alma, não teria outro nome diferente, chama-se apenas “Metáfora”.E quem é doutor nessa ciência bem sabe dos seus paradoxos, onde o mesmo coração que ama perdidamente pode também ser o objeto de amor, e talvez, o último lugar que se imagine que ele esteja, é no lado esquerdo do peito. Ora... “onde está seu tesouro, ai está seu coração”.
Então parece não haver regras anatômicas para explicar o coração. Não se sabe ao certo seu lugar, ou sua função, pois as metáforas não respeitam o espaço, elas por certo existem para ir além dele, onde os olhos de carne já não podem mais enxergar. Todavia, muito se sabe das suas enfermidades que o deixam em pedaços, a dor de um coração partido parece inimaginável e quando algo foge da nossa imaginação concreta recorremos novamente as metáforas. Então pode-se dizer que essa dor também é dor palavra - “Logos” – que por vezes se faz carne e dói no corpo e na alma. O que fazer? Mal sem cura!
Alguns escolhem a prevenção e para evitar esse mal se protegem construindo um coração de pedra. Infelizmente existe um efeito colateral que essa medida trás consigo. Afinal, coração de pedra não bate e assim não bombeia sentimentos para alma, assim, a parada cardíaca pode ser inevitável e a alma chega a falecer e nesse estado de óbito, não demora muito para o corpo sujeitar-se ao mesmo trágico destino.
O medo da dor sugere a nós, conselhos que recomendam a não entrega do seu coração para qualquer pessoa que o deseje. Mas devemos convir que algumas destas pessoas têm o dom de conquistá-lo fazendo uso do amor como seu cúmplice. Conselhos mais sábios ainda, ensinam o dever de entregá-lo apenas a Deus aquele cujo carinho e cuidado transcende até mesmo as metáforas, simplesmente inefável. Não deixo de forma alguma de concordar e realmente não me atrevo a discutir. Porém é bem verdade que Deus é amor e o amor é palavra – “Logos” – que de repente se fez carne e enquanto habitou entre nós, longe do mundo eterno das metáforas, entregou seu coração em palavra e também em carne para sangrar sangue e sentimentos pela humanidade. O amor é “Logos”, todavia só é manifesto quando se faz carne. Estou a rir por brincar com as palavras, essas idas e vindas entre o real e o sonho são prazerosas.
Quem ama bem sabe dos riscos e dores cardíacas quando se entrega o coração a alguém. As conseqüências vão desde simples suspiros apaixonados até gemidos de cruz. O que inquieta-me é saber que mesmo diante de tantos perigos, singelamente, o amor é uma metáfora de outra metáfora que consiste em “entregar o coração a alguém” e nesse exato instante o amor se faz carne e o coração se faz palavra, uma inversão divina de papeis.
Já exausto dessa conversa, devo relatar uma ultima lembrança que me veio a memória. Certa vez, vi num filme uma história de alguém que trancou seu coração num baú e escondeu a chave. Pensando apenas em mim, creio que as dores da vida me respaldam dando-me o direito de fazer o mesmo. No entanto, se não me engano, esse personagem tornou-se um monstro sem coração. Enfim, creio que prefiro assumir os riscos, caminhando sempre em direção a cruz que me espera como preço justo para aqueles que ousaram entregar seu coração para alguém, aqueles que simplesmente decidiram amar. Eis ai meu coração aceite-o como prova que meu amor que se fez carne para estar mais próximo de você. Do para sempre amigo Castro Lins.