domingo, 29 de novembro de 2009

APENAS LOUCURA


Talvez o visível limite que separa o normal e o patológico, seja apenas uma linha feita a giz, e bem fácil de ser apagada com as mãos.

Mesmo ainda bem distante de uma interpretação plena, minha velha memória ainda é capaz de folhear um intrigante livro que li em minha adolescência. Lembro-me bem do renomado médico que recolheu, ou melhor, encarcerou, em sua casa de tratamento, grande parte de uma cidadezinha do interior do Rio do Janeiro, conforme justificativa sólida de um diagnóstico de loucura. Cômico pela aproximação da realidade, o fato que qualquer anormalidade, ou atitude incomum, era um incontestável sintoma de insanidade.

No fim do afã da caça aos loucos, ao “Alienista (1) ”, restou apenas, uma única e decisiva análise pelas profundezas de sua própria mente. Depois de muito averiguar... nada encontrou, nenhuma anomalia, nem se quer um sintoma para fazer-lhe um insano, nada anormal, apenas o fato dele diferenciar-se de todo o restante da cidade. Diante de tantos doentes, ele percebeu sua plena sanidade, isso fez dele diferente, isso fez dele um louco! Por fim, o próprio internou-se.

Num mundo de mortos, respirar é um ato de loucura. Porém é inaceitável se dizer o mesmo, ou defender esse vil diagnóstico, num mundo de vivos, onde respirar é extremamente comum. De qualquer forma, tudo que se difere da força maior, ou da maioria, atribuímos como insanidade.

Minha memória mesmo que por vezes furtiva, agora me fala sobre outra obra clássica: Quando envolto a traições, diante de pessoas que levam a nada o valor da vida na fome pelo poder.... Perante esse quadro de traços fúnebres que o pintor deu o nome, humanidade... Não é possível, e não creio que o louco dessa estória seja o jovem Hamlet (2). Sua loucura era apenas revoltar-se contra – como o próprio pronunciou - “esse mar de calamidades” que os sensatos ainda ousam chamar de vida. Estando preso a essa minuciosa obra de traições e morte, que homem sensato não se revoltaria? Obra essa, nada mais que uma réplica imperfeita de uma realidade ainda mais fétida.

Sempre senti diante da vida – esse quadro fúnebre – a mesma insatisfação de Hamlet, e as mesmas dúvidas. É quando o mundo impõe com furor o “ser”, mas o pouco de sensatez que nos resta aconselha “não ser”. Ser, ou não ser? Diante das dúvidas e calamidades da vida, a morte parece ser a única a apontar um caminho. Todavia como o próprio Hamlet deixa claro nesse parágrafo citado (3), a morte é apenas outra pergunta, uma insegurança, não há certezas, assim deixa de ser uma alternativa.

Alguns como Hamlet, apenas incertos diante da morte, ou aqueles teimosos o bastante e insistentes em rejeitar as formas e formas da vida, ou do mundo, não se deixando moldar; esses inconformados são aqueles a quem os homens chamam de loucos, cuja única alternativa sensata é não se conformar, não se fazer um mero produto. Em seus corações, são construtores da cidade fortificada de Canudos, imunes ao sertão, fazendo dele e da morte aliados e nunca entregues as forças e as forcas que os cercam.

Sem orgulho algum, percebo que desde adolescência temi a loucura. O medo que nossa vida seja uma literatura infantil de patinhos feios, nos faz aceitar, ou conformar-se, ou melhor, formatar-se a todo esse mar de calamidades e misérias que já não irritam os olhos, pois o homem aprendeu a indiferença... Sim! Na verdade era essa palavra que procurava para melhor me expressar: “indiferença”... Afinal ser diferente é sinônimo de loucura e rejeição, e quando uma vez entregue a desenfreada busca pela aceitação, fazendo-a vital, indispensável, necessariamente opta-se pela indiferença. Homogêneos indiferentes!

Perante os senhores dos homens, doido é aquele ao invés de fazer da breve vida um momento de conforto - como essa pessoa não sabe o que faz – resolve revolutamente confortar a outros. Loucura é acreditar nos sonhos, ao ponto de vivê-los na realidade. Poucos como Dom Quixote, são insanos o bastante para acreditar que os heróis ainda vivem. Poucos são tão ausentes da realidade, na medida suficiente e devida, para crer na honestidade, coragem e amizade. Loucos porque ainda vêem donzelas e ouvem a voz do horizonte, convidando-os para eternidade. Alguns poucos como Dom Quixote ainda sabem acreditar com tanta veemência, tanta... que sua fé envergonha nossa religião materialista e sem sonhos.

Sábios loucos, sabendo que lhes falta um parafuso na cabeça, decidem não ouvir a maioria. Alguns não têm ouvidos para os próprios pais, alucinando um dever a outra paternidade que julgam divina, e depois de alguns risos... caminham descalços sem suas quatro rodas, como fazem os loucos, buscando a felicidade em lugares bem distintos das vitrines e caixas eletrônicos. Talvez esses doidos encontrem a Deus, entretanto, certamente não encontrarão o deus lógico da humanidade sã. Lunáticos de olhos fitos no longe céu e suas estrelas, a procura de um Deus além... Além dos delírios esquizofrênicos humanos, mais que uma doce ilusão confortável, um ser real aos sentidos, um Deus dos loucos.

No que é pertinente a respeito desse Deus, sabe-se que sua loucura foi diagnosticada pelos alienistas do dia a dia, afinal, esse Senhor, simplesmente ausentou-se das lógicas e não se submete a tradições e culturas, sendo assim, era de se esperar que todo aquele, Deus ou homem, que escape das fronteiras do entendimento humano, venha a ser, de maneira incontestável, nada mais que um louco. A sabedoria dos homens, pobre e frágil, e apesar de tantas tentativas, foi incapaz de abraçar esse Deus com seus braços curtos, então decidiu expeli-lo como a um organismo estranho em seu corpo.

Foram dadas mais chances de aceitação a esse Deus, as sagradas religiões construíram toda uma cultura ao seu redor, e foi inútil! Seus rituais já não o agradavam mais e suas gaiolas não puderam prendê-lo em seus manicômios, como normalmente se aprisiona os loucos.

A religião é como a tola criança obstinada a agarrar o sol com a mão, o adulto sábio, todavia, já é grato pela luz que o sol lhe envia, luz que aquece e dá sentidos aos seus olhos. O sol não foi feito para ser entendido ou tocado, ele nasce para encantar, alegrar, dar vida, e se põe para os homens esperarem sua volta, para que sintam saudades.
A teologia é a criança tola que mais parece cega na tentativa de fitar o sol.

Diferentes do Deus louco, existem os deuses considerados normais; estes são como animais outrora selvagens, agora domesticados que ao menor comando do homem cantam como passarinhos, ou mordem como cães raivosos. Deuses cuja lógica humana explica com maestria perfeita quem eles são, e os rituais prevêem fielmente suas vontades, dessa forma foi fácil manipulá-los. Enfim, a humanidade compreende esses deuses, tanto quanto compreende os próprios homens. Assim talvez se possa criar uma nova definição para loucura:


Loucura vem a ser tudo aquilo que o homem não pode manipular, inclusive Deus. Deus é loucura, assim fez-se Deus apenas dos loucos crentes nessa loucura pregada e, somente esses acusados por ouvirem vozes, possuem ouvidos sensíveis para ouvir sua límpida voz. Só os lunáticos que vêem o invisível, deslumbram a eternidade quando olham o horizonte. Só, apenas e somente os enlouquecidos livres, tornam-se, em virtude da sua insanidade, escravos do amor e tiram as sandálias para caminhar. Só os hamlets desses dias, são capazes de não se conformar com esse mar de calamidades e se chocar contra suas ondas furiosas. Apenas aos quixotes sonhadores, foi dada a fé que remove as montanhas. Loucura o desconcertante confronto de meras idéias... é o intangível Deus descalço a caminhar por entre os homens, em instantes... o mesmo Deus em simples desenho aos traços de uma cruz, seu amor define a loucura!

Sem temer os manicômios e os alienistas, revelo-me louco, e o que prego em palavras presas ao papel não poderia ser mais que pura e apenas loucura.

Castro Lins



“Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós que somos salvos, poder de Deus. (...) aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios.” Apóstolo Paulo (I Coríntios 1: 18-23)



1-Referência ao livro “O Alienista” de Machado de Assis.

2-Referência ao livro “Hamelet” de Willian Shaskespeare.

3-Décimo nono parágrafo, contido no Ato Terceiro, Cena I do livro “Hamlet” de Willian Shaskespeare.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Surpreendente Descoberta



Assim disse Rubem Alves (paráfrase): “Na maior parte do tempo somos inconscientes do ar que nos dá vida, mas quando prestes a nos afogar ele é a única coisa que nos vem à cabeça”.

Algumas descobertas são como engrenagens capazes de deter, por alguns instantes, os ponteiros giratórios do nosso relógio da vida, todavia elas não podem pará-los. Já diziam que o tempo não pára, ou que a vida é breve, mas é intrigante, a meu ver, o quanto que uma “simples” descoberta pode causar mudanças não tão simples na vida de alguém. Falo a respeito da pessoa que de repente descobre em si uma doença terminal, para alguns, a partir desse momento a vida muda todo o seu curso anterior. No entanto, a descoberta que “somos pessoas terminais” não é motivo de surpresa, a convir que essa é uma simples descoberta mesmo quando tardia, isso por ser uma verdade irrevogável. As doenças são apenas lembretes colados em nossas geladeiras, quando inoportunamente eles nos chamam a atenção, percebemos algo escrito em letras grandes: “SOMOS TERMINAIS”.

O que mais intriga é saber que a percepção de que a morte se aproxima, ironicamente, nos lembra da vida outrora ignorada, e nesse instante até adjetivos são outorgados a ela : breve, curta... Os valores invertem-se, e a forma de medi-los já não é a peso de ouro, ou a leves notas de papel. Agora o que está cotado em alta é o valor das pessoas... Sem motivos ou apelos emocionais, passamos a indagar a existência de um Deus... Ao pôr do sol, o furtivo entardecer deixa a nós uma saudade nunca antes sentida... Tudo isso deixa entender descobertas já não tão simples como a anterior, surpresas para além do ordinário. A descoberta da vida é surpreendente, não a da morte! Todavia a relação entre ambas é indissociável, necessita-se antes do inadiável término dessa vida, saber a verdade que “somos terminais”, e se assim o for... a vida deixar-se-á ser encontrada antes da morte, e talvez, simplesmente permaneça após ela, na surpreendente descoberta da vida eterna

Castro Lins

domingo, 1 de novembro de 2009

Onde está a mudança?



Um alguém cujo nome já não me recordo, contou-me algo curioso:
"certa vez uma ousada jornalista resolve entrevistar Martin Luther King em meados de seus protestos pelo fim da discriminação racial nos EUA. A intrépida jornalista diz, (paráfrase minha):
-Senhor Martin, qual a real validade de sua luta em favor dos negros do nosso país?Pois mesmo depois de tantos feitos e protestos... ainda não conseguimos ver resultados, os negros continuam tão discriminados e oprimidos quanto antes, enfim, onde está a mudança? Então ele respondeu com uma serenidade quase esmagadora:
- Tens razão senhorita, até agora só conseguimos mudar alguns corações.
Um dia disseram-me, que eu não devia me conformar com esses tempos maus. Entreguei-me a minha empolgação alternada com horas de desesperança, na tentativa um tanto falível de mudar o mundo. No fim acabo por perceber o quanto fui mudado, é irônico, mas na verdade... quem mudou fui eu. Perguntaram-me: "Onde está a mudança?"A
penas sei que não sou mais o mesmo.
Castro Lins