segunda-feira, 17 de maio de 2010

SINTOMAS







SINTOMAS



Quem és? Não te espero!

Verso zero;

-Sou a morte que acena
Em horror despedida,
Seguirei-te em poemas,
Em versos suícidas;


Verso um.
Meu verso é febrl,
Minha rima ignóbil,
Meu ser pueril;


Fiz das noites alegres
Restos de última posse...
Se sonho delírios em febre,
Acordo em tétrica tosse.



Tosse entre três tremores
Expele frio da pele, suor,
No corpo esconde tumores,
N´alma há chaga maior:


Há ninho de seres nefastos,
Carinho, saudades, e ferrugem;
Há amor, pecados e ratos,
Vermes, mas versos não surgem...


Cético ri, meus sintomas...
Médico diz, incrédulo:
-Tu és enfermo incomum,
Teu mal: Mal do século...
Verso Vinte um.

Castro Lins


















segunda-feira, 10 de maio de 2010

A saber: o amor


A SABER: O AMOR

Dentre todos os demônios que assolam a alma humana, nenhum é tão vil e voraz como o amor. Nem mesmo nas mais obscuras trevas infernais habita um ser tal, que vocifera sua posse pelas almas alheias. Preciso esclarecer, porém, que entre inúmeras máscaras, suponho o amor na sua tradução mais grotesca, em sua face mais hostil... Erguem-se dois gêmeos de tênue distinção, delicadamente confundíveis e a ambos confere atender a todas as vozes, mas pelo mesmo e único nome, a saber: amor. Sei bem que Deus é amor, todavia não duvido que o amor seja um demônio, quando ousa ser deus. Gêmeos quase idênticos em aparência, todavia de natureza oposta, como se a vida e a morte tomasse para si o mesmo nome, apenas para confundir a tolos de repente surpreendidos com a morte, pensando ter encontrado a vida.

O exorcismo foi adotado... usado como forma de devolver aos seus devidos donos suas almas invadidas, apossadas por seres imundos, demoníacos. Por outro lado, o exorcismo foi mais uma palavra corrompida, cujo significado se perdeu nos átrios religiosos... Foi quando o homem usou dele, não mais para libertar, mas tão somente para aprisionar seu próximo numa religiosidade filha de uma hipocrisia diabólica, alienada, que usa do medo profano e da fé sagrada para manipular e oprimir, assim... encontro-me a pensar: o homem é o demônio do próprio homem, pois, enfim, ele mesmo se encarrega em exercer domínio carcerário a pobres almas de outros homens... Lamento, mas a maioria de nós somos possessos por seres infernais, que, todavia, são humanos. Esses, levam vidas à miséria, de forma a envergonhar os verdadeiros demônios tão menos engenhosos... Sociedade possessa! Escrava do consumismo. Riquezas, bens que são senhores de seus donos... Meras marionetes dançantes a passo de um comportamento hermético, amedrontados pelos demônios de vestes sagradas e olhos azuis, estes, fugitivos dos infernos de outrora e, que, habitam hoje em seus majestosos templos construídos a preço da fé desvirtuada.

Pobre de nós, escravos daquele cujo nome ressoa no inferno, a saber: o amor... esse em sua faceta mais vulgar, ser ignóbil! Então o tempo pára, diante da mais inesperada pergunta: Como exorcizar o amor?

Desenterro de minhas lembranças tesouros literários, e vem-me a memória Sierva Maria, uma menina concebida como endemoniada pela igreja e dada ao encargo do Padre Cayetano Delaura, responsável pelos ritos de exorcismo. A certo ponto dessa intrigante obra de Gabriel García Márquez, o padre Delaura perde sua razão, ou talvez até mesmo a fé, e enlouquecido de amor pela menina de alma usurpada, envolve-se numa trama de volúpia, sossego, sacrifício próprio e amor sem medidas. Em virtude do muito amar, creio e ouso convir que talvez o endemoniado dessa história tenha sido o próprio exorcista.

O teatro de Shakespeare, em Romeu e Julieta, tem como personagem oculto o amor em sua forma mais avassaladora e obsessiva. Mais do que uma história de famílias rivais... Romeu, servo impuro do amor: ignora a vida e desrespeita a morte, assim como ordena seu senhor. O mesmo acontece com Julieta, capaz de desejar a morte dos próprios pais sob ordem desse mesmo deus... é no exato momento em que os senhores se confrontam: o amor que passa por cima e escarnece do amor, ou em outras palavras: por amor o homem é movido em direção aos piores atos de desafeto. É sincronicamente quando Romeu, por muito amar a bela Julieta, comete atrozes assassinatos e por fim atende a mais demoníaca ordem de seu deus e senhor: Romeu devoto, comete suicídio. Pelo fato de servir ao mesmo deus, creio que não há necessidade de recontar o destino de Julieta... O amor vem a tornar-se um demônio, onde o pobre endemoniado certamente não negará nenhuma de suas ordenanças, mesmo que consista no degenerado fim, a qualquer vida.

No teatro da vida real, é até mesmo cansativo ver as sombrias tragédias cujo elo do vil assassino e sua triste vítima é um simplório sentimento de afeto familiar, ou erótico. Desde Caim, não há mais surpresa, ou escândalo, ante tantas funestas notícias de morte em família... e, diante dos dias que passam, não há assombro pelo fato do sangue do seu sangue derramado. Pais e filhos, ambos de mãos ensangüentadas. Deve-se prever que o homem aprenda temer o amor, mais do que o ódio.

E como exorcizar o amor? Não sou exorcista, mas me é pertinente acreditar que o menor sempre dá lugar ao maior. É como um Rei que vai a terras distantes, e na sua ausência, seu reino é dividido e disputado por muitos vassalos iludidos, acreditando numa realeza que não lhes é devida. Assim agem os demônios, ratos que só surgem à noturna, quando todos adormecem, porém, num simples aproximar de passos, se escondem alvoroçados. Basta acreditar no retorno do rei para que todos os demônios, sejam estes homens ou qualquer outro tipo de ser, se escondam como meros ratos sujos e assustados.

O amor é um rótulo que pode estar sobre distintos conteúdos, como um único copo que pode conter água para gargantas sedentas ou veneno para anseios suicidas... Uma mera palavra apenas, um título plagiado de conteúdo inverso e vulgar ao original sagrado. Ao falso inapercebido, por vezes inúmeras, foi dado o nome de real, assim, venho a crer que apenas a verdade pode exorcizar a mentira travestida, de igual modo, o exorcista do amor é o Amor somente. Enfim, interessa não duvidar que a plena manifestação de Deus e o disfarce mais encantador do diabo escorrem da mesma insuficiente palavra, a saber: o amor.

Castro Lins