segunda-feira, 19 de julho de 2010

BAILE DOS MASCARADOS


Convenço-me que o ensino do meu país, veio a ser apenas mais uma religião travestida em vestes de carnaval. Em termos históricos, devo crer que o desvínculo entre a fé e a educação pode ser considerado recente.


Veio a ser inquestionável, a rica herança do Torá judaico atribuída hoje ao nosso comportamento, estendendo-se até uma infiltração do pensamento grego a escorrer por entre toda filosofia cristã católica que regeu os tempos.

Apesar das viris rédeas da religião cristã, foi imersa a ela e seus templos, o mais rico lugar onde podia-se encontrar as maiores e melhores bibliotecas, grandes mestres e enfim os mais veementes rebeldes institucionais.

A igreja de certa forma formou e alimentou seus piores inimigos, esse é um risco inevitável quando a educação é posta a disposição e acesso como um banquete farto.


Não duvido da destreza de Lutero como mestre, muito menos da sua influência instigadora para inflamar seus alunos, de forma que: um professor possui em mãos a atenção de seus alunos, e saber manuseá-la, é exercer poder...

em virtude, os livros podem ser armas e atitude estopins que contagiam multidões.


Antes de Lutero, creio que houveram muitos outros professores críticos, corajosos o bastante para expor suas idéias, todavia, poucos entre estes, acreditavam em seus ideais ao ponto de arriscar a vida pelos mesmos.

Se as crenças de Lutero eram verdadeiras ou não, não cabe a eu colocar nesse momento minha opinião, porém, fundamentais ou insólidas, verdadeiras ou falsas, importa que ele, Lutero, creu nelas o bastante para contaminar seus alunos e seguidores, a ponto de desafiar um gigante poderoso sistema institucional, a igreja.


Nosso coração é um fabricante eminente de palavras, algumas destas possuem consigo o selo da autoridade, outras são vazias e apenas ocupam os ouvidos, seu ultimo limite. Para as palavras carregadas da autêntica autoridade, o percurso se estende de coração a coração e sua influência na vida do receptor é um mistério que pode desvendar as mais diversas, perversas, ou brilhantes atitudes.

Palavras dessa natureza podem mover uma nação desiludida e instigar seu ódio falecido como uma brasa preste a apagar que de repente, com um pouco do combustível correto, pode erguer uma enorme chama e queimar em nacionalismo e guerras tudo ao seu redor.


As palavras bem ou mal usadas podem erguer holocaustos, amontoar corpos e suas conseqüências são mundiais. Se Lutero desafiou a temida igreja, Hitler desafiou o mundo.


A crença alemã era fundamental ou insólida, falsa ou verdadeira? A moral que carregamos hoje responde bem que o pensamento alemão era de fato atroz e incorreto, porém o que surpreende, é que nesse caso, sobre a influência da palavra, a moral foi desconstruída e posteriormente reconstruída com outros fundamentos, pois enfim, creio que nenhuma consciência dentro do moldes da nossa moral, seria capaz de atrocidades sem um mínimo de remorso imediato.

Uma consciência desvirtuada pelo nacionalismo ou ressentimento de outrora, imersa num contexto social decadente... facilmente se corrompe e posta-se de portas abertas para receber palavras revestidas de autoridade, uma nova moral que justifique seus atos, fazendo- os legais e virtuosamente necessários.

Não existem vilões na sociedade, todos os criminosos encontram um motivo, uma brecha na moral, para justificar seus atos. A maior parte destes, é movida por mentiras perversas travestidas de verdades heróicas, pois quem seria capaz de suportar o peso que consciência investe contra eles? A forma mais suave encontrada foi cauterizar a própria consciência.

As palavras revestidas de autoridades dividem os tempos. Mesmo sendo os romanos os senhores da história, sem temor, Jesus a dividiu numa parte referente ao antes, e outra ao infinito depois que até hoje perdura sem pressa para o fim.

Talvez Jesus tenha vindo a ser mais um iletrado, como muitos entre seus seguidores, ou não; pois enfim, a história parece nos dizer que Jesus conhecia bem a respeito das escrituras sagradas judaicas,

porém não seria um dever de todo judeu conhecer os alicerces da sua história? Iletrado ou não, fato desimportante quando passamos a considerar que as palavras não são feitas apenas de letras. Sem dúvida há um certo poder, inconsciente a nós, mas entranhado entre as palavras.

Relatos transcritos dizem que multidões de judeus e estrangeiros, inclusive gregos pais da sabedoria e militares romanos, todos, seduzidos em encantos com o discurso desse homem que mais parecia, e para alguns não deixava de ser, um Deus.

Os judeus diziam que em suas palavras havia autoridade, de forma em extrema contrariedade se referiam aos Fariseus, escribas e outros religiosos da época, estes, os mais letrados, respeitados por sua santidade em eminência. O que os difere?

Por que multidões de proporção assustadora, que se estendem até hoje, decidiram não dar ouvidos as autoridades religiosas e aos imperadores, estes, cujo poder dava-lhes titulação divina irrevogável?

E ao invés, dão ouvidos e corações a palavras de um judeu maltrapilho, convencido ser o Filho de Deus.

Convém acreditar que palavras não são feitas de letras... a autoridade, de mesma forma, não se constrói com poderio militar, ou qualquer outro tipo de imposição ou medo. Os Césares, Czares entre tantos outros ufanos imperadores, foram meros deuses do medo, cuja a divindade não perdura muito além de suas efêmeras vidas, apenas uma autoridade artificial, muitas vezes imposta contra vontade de seus servos.

A autoridade diz mais a respeito do senhor que simplesmente não impõe seu senhorio, atitude desnecessária, pois a alma humana sabe reconhecer um senhor quando diante de um.


Jesus não levantou espada, nem a sua presença corpórea é necessária para, hoje ainda, arrebatar mais e mais servos, alguns dispostos a dar a vida por Ele... E o que estes homens atuais possuem desse Cristo, agora em seus dias? Apenas suas palavras, tão vivas quanto eu.


Jesus veio trazer uma mensagem nova aos homens, principalmente aos judeus - povo ao qual ele teve maior contato em vida, todavia, mesmo ele, o próprio cristo, adjetivo que remete a Jesus, afirmava que seu propósito não era revogar as escrituras, sagradas aos judeus, e sim cumpri-las.

Escrituras essas: estudadas, lembradas e relembradas para o povo pelos sacerdotes, fariseus, escribas, interpretes da lei judaica... As palavras não foram ignoradas pelos religiosos, eles sempre a repetiam. A lei era ensinada como conduta de vida aos pais, aos filhos e as descendências por vir... todavia, Jesus incontente com o simples falar das escrituras, decidiu vivê-las e cumpri-las.

Jesus encarnou suas palavras e transformou uma religião de letras em pergaminhos, numa prática de vida. Falava de Deus, a quem ousou chamar de Pai, como se esse Deus estivesse sempre com ele, numa proximidade tamanha... dava a entender que ambos eram um somente.

O Senhorio de Jesus era nato, a despeito de milagres, sendo desnecessário qualquer poderio militar. Um mestre que esteve eternamente certo a respeito da mensagem que pregava, a diferenciar-se da religião judaica que naqueles dias, mais parecia um carnaval de máscaras, cujas palavras e a prática de vida tomavam dois extremos inteiramente antagônicos.


Jesus vivia de tal forma o que pregava, que Ele era o próprio cumprir de suas palavras.


Jesus e sua mensagem eram indistinguíveis.

Quão enorme a autoridade e o poder instigador; as pessoas já não sabiam mais prestar ouvidos aos sons feitos somente de fonemas e letras... Relatos marcantes impressionam: "aonde ir, se só tu tens as palavras de vida eterna?"


Repito: estou convencido que o ensino de meu país veio a ser apenas mais uma religião travestida em vestes de carnaval.

Sou um professor tão jovem quanto a mocidade dos meus sonhos, e por alguns breves minutos envergonho-me ao cantar o hino nacional, que se perde em letras imutáveis transparecendo nunca deixar de ser apenas letra, papel e melodia.


A distância entre a realidade e a beleza do hino nacional, é eqüidistante a dos fariseus e suas escrituras sagradas. Em termos menos globais, especificamente, a educação brasileira compra para si esses mesmos reflexos hipócritas, e maquiagens iguais.

Logo faltam a nós educadores os valores a que tanto ensinamos, falta acreditar em nossas próprias palavras e a conseqüente autoridade necessária, para que alguma relevância haja, em qualquer discurso.


Entristece saber que Hitler fazendo uso de sua moral ignóbil, era um melhor instigador do eu, professor, cidadão pós- moderno.

A desesperança e conformismo social dos meus pais passaram para mim, e como uma corrente, de modo despercebido, de repente encontro-me ensinado essa mesma desesperança aos meus alunos, que por sua vez serão pais e deixaram essa herança aos seus filhos.


A educação é mais uma entre as tantas religiões do mundo, vivendo de sombras institucionais, burocracia e ideologias que não são nada além de letra e papel...


Escolho não mais exigir uma integridade de meus alunos, a menos que essa mesma integridade seja parte de mim.


Não ouso pedir para que enxerguem o aprendizado como meio de formação de um caráter cidadão, a menos que meus olhos sejam curados da miopia que ver a educação como um mero trampolim de ascensão econômica, ou de uma busca esquizofrênica do oprimido que, cansado da opressão, vai para escola estudar para torna-se o opressor de amanhã.


Sinceramente só serei capaz vedar a boca do meu aluno diante de um palavrão, simplesmente quando minha vida deixar de ser um, em seu resumo.


O professor que ensina apenas para receber um montante em dinheiro, cria alunos que vão a escola ambicionando somente receber um montante em dinheiro, logo que formados.


Na verdade nunca importou a sociedade no que o indivíduo se formou, mas sim em que formas ele foi formado, em que moldes suas atitudes são desenhadas.


Só quero lembrar que o carnaval não deve exceder a quatro dias.


O baile dos mascarados finda, exatamente quando os meus verbos se fizerem carne, quando eu encarnar os meus verbos, quando eu vir ser o próprio cumprir das minha palavras.

Castro Lins