sábado, 28 de agosto de 2010

SE EU MORRESSE AMANHÃ




Se eu morresse amanhã,
O esquecer seria pleno,
Quem nesta triste manhã
Fecharia meus olhos ao menos?




Bruma de saudade sem valor,
Quem essa frágil criança mata?
Diga em que peito bateria amor,
Herdaria quem minha rasa falta?



Salvo as saudades de minha mãe,
A que coroas mais eu estaria preso?
Meu céu incolor, amigos, irmã e
O amor que trata-me em vil desprezo?




A mísera pena que não te iluda,
Quisera eu morresse amanhã,
Seria a dor cruenta enfim muda
Por sopro gélido em febre terçã.




Eu, se mesmo morresse amanhã...
Podes tu adornar primaveras,
Podes tu flori minhas quimeras,
Tu, compor a vida menos vã?




Seria o passado o que não era
E que não foi, o que se espera
Dar-me-ia uma esperança sã?



Amanhã se morresse eu
Aprenderia a tecer alvas manhãs,
Vestidos de aurora em pontos de lã...
Repouso terno no colo de Deus.




Levaria aos céus algum adeus?
Não sei! Pois se amanhã eu morresse,
Seriam tristes mais os dias dos meus?
Nem lágrimas ou ais levaria desses!





Futuro que seria não pode ser,
Seria se eu não morresse amanhã e
Se não - oh Deus- seria capaz de morrer!


Castro Lins

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Quinto


O Quinto

Não desconsiderando as justas exceções, causa curiosidade saber que as lágrimas quando derramadas, provêem, quase alcançando uma constante, de dores da alma. Sua origem, salvo casos raros, sempre emerge internamente sem manifestação visível, a priori, no corpo do indivíduo; ou melhor: não são os ferimentos ou doenças dolorosas as principais razões do choro humano... Não ocorre o mesmo com as crianças cujos berros são inegáveis diante dos machucados, comuns, após as freqüentes travessuras. O ser adulto aprendeu engolir o choro da dor referente ao corpo, mas sua alma ainda é como uma criança chorona sem causa.

É assim... poucas foram a vezes que chorei por que realmente sentia dor em meu corpo, todavia, muitos foram os momentos que o meu corpo chorou vendo a dor da minh’alma. Devo confessar que quase sempre ao chorar, pude identificar um personagem, outrora oculto, fazendo parte determinante do conflito inicial. Qual nome dou a esse ser abstrato de efeitos fatuais? Não sei ainda, porém me ajuda saber que a nossa palavra amor possui quatro significados distintos para qualquer cidadão grego; apenas para termos de informação: cada amor refere-se diretamente a suas traduções respectivas. Para nós, basta saber que um remete ao sentimento de amizade, outro ao de afeto, outro mais a fins eróticos, em estremo resumo consideremos o sexo, e por fim, o quarto em minha cronologia refere-se ao amor do próprio Deus, sublime e absoluto. Minha pretensão última é criar um quinto amor, que diz respeito aos outros quatro, porém ainda distinto em alguns aspectos.

O Quinto é o amor fadado ao esquecimento, exilado nas periferias dos nossos sentidos, pois afinal, sua existência carece proporcionalmente do insucesso, da não correspondência, dos outros quatro amores. Esse é o ser responsável pelas lágrimas, tão comuns, de nossas almas. Fazendo uso de uma simplória analogia grego - cristã: considera-se o Hades (lugar de sofrimento) como uma resultante de um falível plano cujo fim é o Paraíso, isto é, o Inferno não existe, ao menos a princípio, esse nome ganha significado apenas em detrimento da possibilidade do Paraíso que se perdeu. O que realmente existe é um Paraíso com defeito, incompleto, um plano sem sucesso. Assim, se um plano de amor frustra-se, o efeito imediato é o surgimento de outro amor de natureza contrária a aquele que lhe deu origem. Se o homem considera esse amor primeiro perfeito, ou próspero no sentido de um desejado objetivo para ser alcançado, o amor segundo, resultado de um plano sem êxito, conota a imperfeição, ou a prosperidade duvidosa, ou ainda, se o inicial satisfaz e remete a beleza e felicidade, esse posterior sempre vai causar uma reposta de insatisfação, feiúra e seu hospedeiro vem a ser mais um indivíduo infeliz.

Mesmo sendo esse, um sentimento periférico, ele é mais comum do que parece e sua relevância justifica-se no fato que todos os quatro amores correm riscos de desvios do seu destino final, e os amores extraviados são dolorosamente renegados pela imperfeição. Veja, Almeida Garret descreve em versos “O Inferno de Amar”:

Este inferno de amar- como eu amo!
Quem mo pôs aqui na alma... quem o foi?
Essa chama que alenta e consome,
Que é a vida - e a vida destrói -

Como é que se veio atear,

Quando – ai quando se há de ela apagar?


A invisibilidade do Quinto causa curiosidade, afinal sua presença em poemas, músicas, prosas, é de uma freqüência notória. Ouso crer que uma parcela enorme de nossa arte representa formas de expressão dos quatro amores, desde a Capela Sistina drenando entre cantigas populares, poemas líricos e até ainda músicas modernas... Seja em louvor a Deus ou em devoção a Marília de Dirceu, sejam as paixões que compõem marchinhas de carnaval ou um retrato de família, o tema é único: O amor em suas ramificações peculiares. Todavia outra parcela, também considerável, remete apenas ao amor mal correspondido, imperfeito, aquele que gosto de chamar de Quinto. Impressiona a enormidade de músicas modernas, belas ou inaudíveis, que contam de um amor entre o homem e uma mulher que, a parte qualquer sentimentalismo ou exagero, simplesmente não deu certo. Inspiração suficiente para compor a respeito desse, outrora desconhecido, sentimento que é parte da vida e agora razão da morte dos amantes. Lembro dos saciáveis versos de Konstantinos Kaváfis que narram a poesia da mãe a esperar, em vigília, o filho marinheiro; emociona sua prece vã, inconsciente do fato que ele não haveria de voltar. O amor de uma mãe maculou-se diante da morte do filho, e naquele momento ele falha em seu objetivo primeiro, deixa de está entre os quatro amores iniciais e ganha as novas formas de um quinto amor derradeiro e manchado pela falha.

Desejando-se resumir todas essas quatros formas do amor, podemos defini-las apenas como uma tentativa de relacionamento entre o homem e seus semelhantes e, entre o homem e Deus... sendo o primeiro também criado a semelhança de Deus. Assim, assumindo a religião como uma tentativa de religar e instaurar um relacionamento rompido entre o homem e Deus, ela toma pra si as mesmas proporções e finalidades do amor, sendo esta também uma forma outra de amar. O amor tem por objetivo último o relacionamento, a união entre os seres da terra, ou em termos teológicos, entre os seres da terra e os seres celestes. O Quinto todavia, é filho do rompimento desses laços, seja pela morte do filho, ou pelo desdenho do amado, ou ainda, seja pela religião que talvez, traindo a razão da sua existência, deixou um abismo enorme entre Deus e os homens.

A presença do Quinto talvez fuja da percepção, no entanto ela é inegável e bem crível quando considera-se uma sociedade cujo fundamento, inerente ao ser humano, é o relacionamento, ou melhor: o amor, esse que nem sempre desenvolve –se no rumo que deveria e poucas vezes alcança a maioridade, e ainda criança não o deixamos crescer. O que o mundo vive é a meninice do amor. A maneira entranhada que o relacionamento faz-se corporal e parte vital do ser humano, consiste no fato que a dor, em suas piores facetas, está ligada de forma existencial ao rompimento e frustração de tais relacionamentos. Como eu disse antes, as dores da alma são as principais causas do choro humano, tanto que, não seria heresia alguma crer que o inferno (expressão mais detestável de sofrimento) seja apenas o lugar dos relacionamentos desfeitos, inclusive no que se trata ao próprio Deus cuja união, neste lugar, inexiste.

Não quero delongas mais a respeito dessa visível necessidade humana de envolvimento com seus semelhantes. Porém a provável existência, ou minha pretensão de identificar e expor o Quinto, suponho que foram concluídas; talvez não com todos os argumentos que o tema carece... Aliás, minha vivência intensa com esse personagem mórbido, ao longo de minha vida, não me permite duvidar, nem se quer supor que ele é fruto da minha imaginação. Os boêmios apaixonados e poetas certamente concordam comigo, também aqueles que não trocam palavras com quem amam, seja em virtude de desafetos ou por culpa da vil morte. Haveria muitos casos outros se quisesse citá-los, mas... Sem resquício algum de orgulho, nesta tentativa simplória de ler a vida, infelizmente, encontrei essa quinta tradução para o amor.

Castro Lins

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Alma Nordestina


Alma Nordestina

Minh’alma nordestina
Sem rumo no destino...
Sem gancho pralma rede;
Senti sede do nordeste,
Sendo gosto de salobra
Dessa água que me destes.

Minh’alma ser tão boba...
Que lá na vila ninguém negue,
Que ela na vida também segue
O vento como se o visse
E sonha como se vivesse
Cantando igual canário belga
Pelo caminho, a mais de légua.

Havia um caminho numa pedra
E pura água numa rocha,
Que dura o tempo de uma seca
E a seca o tempo de uma vida;

Minh’alma cheia inxirida
Quer a chuva e o céu também,
Pois é do céu que a chuva vem:
O céu é mar pra quem se ilude,
Pro nordestino o maréaçude...

O céu, rio doce que dá sede;
Minh’alma sede que não morre,
Procura cacimba sem tamanho
E vê no céu o rio que corre,
Te prepara pro frio banho!

E Deus disse com sotaque:
“No céu tua sede eu pus,
Mate ela, antes que te mate,
Encha o bucho com Jesus!”
Para se di dele e ele gancho
Firme para armar a rede...
Bebe alma nordestina!
E cessa seca e essa sede.


Castro Lins