sexta-feira, 28 de outubro de 2011

TEOLOGIA EM FOCO






CRISTO
UMA CRISE NA VIDA DE DEUS
de
Jack Miles

Resenha
por Rafael de Castro Lins




O paradigma que o autor evidencia para posterior formulações e teses, tem como base a o processo de transformação sofrido por Deus no decorrer dos tempos a partir das literaturas canônicas judaico – cristãs, e mais especificamente na transição de personalidade entre o Deus dos exércitos até o Cristo crucificado, ou seja, a passagem imprescindível do forte para o fraco. Deus é apresentado ao seu povo, Israel, após a saída do Egito, como Deus que é senhor de toda terra e maior que todos os outros deuses, não somente um deus nacional, isso porque a enormidade de sua força derrotou os egípcios – o mais poderoso império conhecido - em favor do seu povo escolhido... É importante a ressalva que esse sentimento de triunfo sobre as outras nações foi introgetado coletivamente em Israel. As conquistas militares do povo israelita demonstram o caráter personificado do seu Deus.


A forma que o povo encara seu Deus passa a sofrer um processo de mudança iniciado a priori nos momentos de exílios. Quando as conquistas cessaram e todas as expectativas e esperanças voltadas para o Deus dos exércitos frustraram-se, fez-se necessário aos poucos uma mudança na face, na pessoa desse Deus. Diante de um contexto que na prática estava além das forças de Israel modificá-lo, a saber, o domínio e poder violento do Império Romano, a ultima saída consistiu na premissa: se a realidade é imodificável, transforma- se então o Deus desse povo para contextualizá-lo sem retirar-lhe seu trono, em outras palavras, já não é por meio da guerra que Deus irá demonstrar ao mundo seu poder, e seu recurso a partir de então centraliza-se na personalidade mansa de Jesus o Cristo, segundo Jack Miles: “uma nova maneira de preservar a dignidade de Deus sem recorrer a guerra. O Deus da guerra está pronto para se tornar o Deus da sabedoria”. Os anseios do povo, dentro desse processo de transição, também se tornam outros distintos à vitória militar, agora são metafísicos tais como salvação, imortalidade da alma. Os heróis literários são vitoriosos não mais pelo viés militar, mas sim pelas suas virtudes, tal como Daniel. Esses são alguns fatores da transição. Todavia essas mudanças do caráter de Deus ganharam ênfase a partir do momento histórico mais favorável por vir, a saber: a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 da era cristã... Momento que emerge a necessidade de uma nova significação para Deus.


O cristianismo é concebido, na verdade, como uma revisão da identidade de Deus, e Jesus como um reparador dos seus erros passados. A restauração principal de Jesus ocorre quando este revoga para os homens a maldição da morte e abre, a partir de então, as portas para a vida eterna. O livro demonstra que Cristo é o resultado mais do que necessário de uma crise que ameaçou o nome, o trono, a credibilidade do Deus de Israel. Jesus é o Deus contextualizado, revisto, reinventado para garantia da vitória sobre o mundo. Jesus abre as portas para uma vitória transcendente que pode de certa forma demonstra a incapacidade de intervenção de Deus na vida real, isto é, mascara um fracasso militar, mas devolve as esperanças quando dirige o seu povo as moradas do seu Reino celeste. Jack Miles nós esclarece a esse sentido magistralmente com suas palavras: “Deus redefiniu a vitória e, ao fazer isso, redefiniu a si próprio”. A mansidão de Cristo contrasta inteiramente com o Deus dos exércitos e essa incompatibilidade provavelmente foi fator determinante para o nascimento de uma nova religião distinta da judaica, onde Jesus protagoniza a frente como o próprio Deus.
Castro Lins

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

IMAGENS




Imagens

Os sábios religiosos antigos acreditavam que espírito (pneuma) era um nome pelo qual os ventos atendiam, quando o espírito de Deus visitava um homem, era semelhante a um sopro, uma brisa, gélida talvez, que tocava a pele e penetrava na alma. O vento só é visto quando as folhas de outono dançam a sua música. Deus modelou o homem e quando decidiu dar-lhe a vida, soprou para dentro dele preenchendo- o com o espírito feito do ar, da respiração que vinha das suas entranhas, como se Deus doasse, deslocasse, o que guardava dentro de si para um novo recipiente chamado de homem.


O ser humano carrega o íntimo do seu Criador, o ser eterno do próprio Deus em seu corpo mortal. As pessoas andam pelas ruas asfaltadas e por entre shoppings e favelas sem imaginar que carregam o âmago de um Deus dentro delas. A crença no mito judaico da gênese, se real, pode mudar o curso da vida do seu crente, pois afeta de maneira direta as relações sociais. Poderíamos criar as mais belas utopias a partir desse credo, em outras palavras, sendo breve, realize: Quando que os assassinos poderiam imaginar que matar o outro, é como matar o Deus presente nesse outrem? Qual a sentença para o assassino de Deus? Imagine a grandeza da ética composta pela seguinte premissa: Praticar qualquer forma de mal a alguém que seja a imagem de Deus, é atentar mal contra Deus. Violentar seu semelhante, que o Senhor a sua semelhança o criou, é como esfacelar, desfigurar a face de Deus. Quem dera, para nós homens, se aquele individuo sujo, faminto, drogado, caído a margem da rua não fosse a representação viva do seu Criador... Quem dera, pois desse modo nossa pena seria mais branda, a responsabilidade seria minúscula. Como imaginar que o Pai de tudo criado tem fome e pede o que comer? E qual espécie de culpa seria essa que diria ao homem: Teu Deus teve fome, e não deste a ele o que comer.

Não há como negar o abalo causado por Jesus nas estruturas políticas e religiosas da sua realidade, e sua morte foi uma resposta, dessa sociedade, a altura do seu impacto social e espiritual. Jesus é o cordeiro de Deus sacrificado pelos pecados de muitos, crença que não nega que ele também foi um protagonista político de importância sem precedentes e procedentes, que o sistema romano achou melhor sacrificar. A crucificação de Jesus ensaia em moldes divinos, o que se repete diariamente em termos humanos. No dia a dia, de igual modo ocorrido com o Cristo, sacrificamos pessoas que são a imagem de Deus por razões políticas, imperialistas, econômicas e hipocritamente religiosas. Sacrificamos seus direitos a dignidade, a educação, a moradia, a fé saudável em favor dos interesses capitalistas, mascarados como sonhos de vida ou como liberalismo econômico, que não são sonhos próprios e muito menos plano de Deus, na verdade nada mais é do que a patologia consumista em padrões religiosos. Ao exaltar qualquer lei religiosa ou financeira, qualquer fim pessoal ou político acima da vida, é o mesmo que posicionar-los acima de Deus. A maneira que uma sociedade, uma igreja ou individuo responde aos direitos humanos mais básicos do seu próximo, diz respeito de modo concreto, a relevância ou posição que Deus ocupa na vida dessa pessoa ou desse grupo. Cada um que morre nas mãos do tráfico de drogas, míngua na fila de um hospital público, é como se Deus fosse novamente fosse açoitado, humilhado e crucificado por motivo do pecado humano, a saber: falta de amor ao próximo.

Todavia a ética judaica da gênese inebria a alma com quimeras que até parecem apontar para outro mundo. Todo ser é uma representação viva de Deus na terra, se real, esse seria o fim que qualquer forma de desigualdade e o início de uma aceitação das diferenciações que fazem de cada um especial ao seu modo. Servir a Deus sempre será tarefa impossível, ou fingida, enquanto o mito da gênese não nos convencer a ver Deus no outro, de modo que amando o próximo é a única forma real de amar a Deus, outra forma distinta dessa, é religião vazia. Se Deus for mesmo encontrado nos olhos dos filhos, na face dos pais, nas mãos do amigo, os relacionamentos por certos sofrerão uma transformação como resultado dessa fé. Aterroriza pensar que cada mal que fiz nessa vida, o fiz contra o meu Deus. Todavia alimenta toda virtude a movimenta o amor pensar que todo bem, cada pessoa que alimentei, cada sorriso que doei, cada palavra amiga ofertada, cada gesto, mínimo ou extraordinário, de amor, o fiz para o meu Deus. Pois o Senhor Deus presente impregnadamente em cada homem teve fome, teve sede, esteve nu, foi preso, e a maneira que reagi a suas necessidades prova o quanto o amo e valida meu cristianismo.

Castro Lins

E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Gênesis 1:27

(...) Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. (...)
O Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.(...) Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim.
E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna
Mateus 25:34-46