terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Fim do Mundo



Fim do Mundo

Uma cidadela do sudeste brasileiro foi tomada por horrível pestilência. Uma
enfermidade carregada pelo vento e cujo contágio feroz matou famílias inteiras em poucos dias. Prefiro aqui não descrever sintomas, pois estes, de modo eram tão repulsivos e mortais, que seria, da minha parte, um desrespeito a
humanidade de tais pessoas. Para além das dores descomunais o medo levou muitos
a tentativa de se isolarem em suas casas, pois, qualquer mero contato poderia
ser o último. As casas tornaram- se ilhas, refúgios ou, sobretudo, consideraria
cárceres. O terror confundiu mães quando estas cerraram suas portas para os
filhos contaminados e por fim, a cada casa por onde restou alguém, pequenos
mundos nasciam a parte da insuportável realidade lá fora. Entre esses estava
uma pequena igreja com seus portões fechados, abrigava alguns poucos membros
seus e mais os lideres daquele rebanho remanescente:

“Meu
amigo, Jean, Pastor desse rebanho comigo, diz, ainda sereno, que esse é o fim
do mundo, devo acreditar? É irônico, não? Esses talvez sejam meus últimos
momentos de vida e ainda não sei ao certo em que devo acreditar. As dúvidas
continuam em centenas, mas todas estão recolhidas hoje, pois uma certeza me
move a escrever- te... Deus! Apen
as eu e tu sabemos o quanto esperei por esse
dia. Procurei evidências tuas em cada dia e em toda parte, esperei ouvir tua
voz e nada! Cumpri todas as regras e rituais, professei como verdade cada palavra
de fé, ajoelhei- me, e estava sozinho, onde tu estavas? Segui todos os passos
que os homens um dia disseram que me levariam indesviavelmente a ti, mas não te
vi mesmo de longe, talvez tenha me perdido. Fui a cada cidade santa a tua
procura e conclui que não te encontravas em templo algum, por quê? Nada passou
de êxtases momentâneos, ou de uma relis obediência a moral humana. Nunca fomos
assim tão próximos, não é verdade? Apesar dos meus sermões que dizem ao
contrário. Hoje, porém, minha busca encontrou o seu cessar e somente agora te
vejo mais claro. A noite se foi e estou na penumbra que anuncia o dia, pois aos
poucos te desvelas para mim, meu Deus. Te postas diante de mim e eu sem demora
vou ao teu encontro...
Nunca
antes havia imaginado a morte dessa maneira, pois caminho a ela com toda a vida
que tenho, de uma forma que a tua cruz se preenche de motivo, de razão de ser.
Aliás, antes, era a mim inconcebível encontrar essa razão, ou a função que te
levou a morrer como homem sendo tu Deus. Como imaginar o Deus indescritível na
menor e desprezível imagem humana? a saber: Deus na pessoa de um servo, ou
ainda de um escravo. Invertes com tua cruz todos os valores, afastas as
virtudes e as bem aventuranças de toda forma tirana de poder, também do ouro,
ou da sabedoria e encaminha a felicidade para o servo, surpreendentemente, para
o pobre e para os teus pequeninos, sei que somente Deus ousaria tanto.

fora, de onde ecoa a tua voz, há pessoas que perecem, sofrem, sabes bem que a
realidade não é nada boa. Eu te pedi uma simples cura, e tu me respondes para
além e concedes a mim um milagre, afinal, o teu maior milagre sempre foi
resignificar a vida, girá-la para tua direção. Perdão por tanta demora, foi
difícil perceber, mas logo te vejo perto. Deus, sei que estás a minha espera
logo após esses portões, feliz como uma criança, vou ao teu encontro.”

Escritas
tais palavras ele se foi por entre os portões da igreja, logo a sua frente
encontrou a fragilidade das pessoas a sua espera. Foi ao encontro dos doentes,
dos aflitos a espera interminável por quem os consolasse. Carregava em manuseio
apenas a fé, seu dom, e partilhou- a para alívio dos cansados. Ávido por Deus,
o encontrou vívido e claro como sol enquanto servia aos necessitados. Ele,
Deus, sempre esteve lá aguardando um encontro, a sua espera após os portões da
igreja onde pessoas reais pediam ajuda. Dizia antes de morrer que o Deus servo
e crucificado é incompreensível enquanto estivermos longe do outro, isolados em
nosso mundo, em nossas ilhas, em nossas casas, pois em suma, Deus está sempre
um passo em direção ao outro.
A
carta a Deus foi encontrada sobre sua antiga cama, todos os membros da eclésia esperavam
o seu retorno. Os dias passaram e se foram, e aquele homem, simplesmente, não
voltou. Por certo morreu como qualquer outro doente tomado pela peste.
Entretanto alguém, por ventura, leu sua carta e a notícia se espalhou quando
aquela igreja, de vez, abriu os seus portões para ir a fora servir. Ora, como a
um contágio, o vento soprou e outras igrejas o mesmo fizeram.
Quando
a peste se foi, levou consigo esses cristãos que um dia foram chamados para
fora, muitos, ou quase todos, morreram. Porém, antes da morte, em liberdade o
Deus servo foi-lhes ao encontro e, ainda naqueles dias de tormenta, a tardar,
uma profecia se cumpriu: foi o fim de muitos mundos.
Castro Lins