terça-feira, 28 de julho de 2009

Carta – Vento que sopra onde quer.





Lembro que quando criança morava num lugar cercado por pés de eucalipto. Logo atrás da minha casa havia uma floresta com macaquinhos saltando de galho em galho, um circo natural cheio de festa para uma criança cuja idade nem me lembro mais. No entanto, lembro do meu pai levando-me para mata com outros homens, para buscar algo que também já não me recordo ao certo o que era... Porém não importava as razões, a aventura iludia-me e seguir meu pai era como seguir um general. Seus amigos formavam o exército e eu era o soldado herói, o mesmo da televisão, apenas um tanto mais baixinho e com uma dezena de coisinhas grudadas em meu cabelo, pereciam uma certa espécie de carrapicho que dava muito trabalho para tirar depois. Nessas horas, minha mãe entrava em cena e arrancava cada coisinha puxando meu cabelo, – doía muito - mas garantia o final feliz da minha aventura na selva, o encontro inevitável com minha feroz imaginação.


Saudades da infância dos sonhos, quando eu ouvia o som assombroso do vento vindo de encontro aos eucaliptos. Orquestra que só os ouvidos refinados das crianças são sensíveis o bastante para degustá-la, definitivamente era lindo e ao mesmo tempo assustador para um pequenino. As folhas caiam em giros no ar e mereciam palmas. Minha mãe, ou talvez minha tia, me puxava pelo braço dizendo: “anda garoto parece bobo olhando para o vento”. Minha imaginação de menino perguntava a minha alma de bobo: “Será esse aquele a quem chamam Deus?” Lembro desse Deus! Falavam dele na reza anual na casa da minha tia, e estava certo que minha avó, cristã protestante, também havia falado nesse ser dito poderoso e grande. Naquele dia parece que fomos apresentados. Eu não tive a coragem de conversar com ele, pois todos diziam que ele era uma figura ilustre, então fiquei um tanto tímido. Também não conseguia enxergá-lo, era como aquele vento que apenas o sentia e ouvia seu choque com as árvores entres ares.

O som do vento entre eucaliptos... creio que o meu primeiro encontro em consciência com meu criador, como se a poesia olhasse para o poeta e dissesse: “oi”. Fora da minha posição de criatura, não sei qual seria a minha reação diante de algo assim. Todavia, agora posso supor os bons sentimentos que me invadiriam se um futuro filho meu, em suas primeiras palavras, pronunciasse um simples: “Papai.”

O tempo em sua obsessão de sempre nos destinar ao fim. Nunca esqueci esses eucaliptos que se foram dando lugar a tijolos e concreto. A rua ganhou asfalto e minha selva tornou-se selva de homens cheia de barracos e bares. Os macaquinhos se mudaram passando a habitar agora apenas em meus sonhos. Pessoas tristes agora moram atrás da minha antiga casa, toda aquela riqueza que eu tanto admirava tornou-se a pobreza que tanto me entristece. As aventuras hoje são desventuras de um homem que senti saudades da infância. Do muro da minha casa já não vejo verde. Agora vejo de olhos fechados, pessoas tentando esquecer de sua vida sem sentido, sem vento a soprar. Elas embriagam-se e se alucinam. O vento derruba seus barracos e a chuva desaba barrancos e inunda suas casas.

Para que tolos como eu possam lembrar dos antigos macaquinhos, esse lugar hoje se chama “Morro dos Macacos”. Agora homem, vejo que aos poucos o vento parou de soprar, os eucaliptos se foram. Descobri que meu pai era meu padrasto e como eu queria sentir novamente as incômodas coisinhas grudadas no meu cabelo, vendo minha mãe arrancá-las depois de mais uma aventura. Cresci e vi tudo diferente, já não sou leve o bastante para deixar ser levado pelo vento. Fui para universidade para aprender não ser mais criança e perder minha alma de bobo. Hoje corro atrasado entre os sinais de trânsito, e meus ouvidos estão ensurdecidos com a música que a vida me obriga a dançar.

Nesses últimos dias sentir-me sozinho, como de costume, gosto de caminhar em dias de solidão, foram tantos passos para fugir dela que de repente me vi cansado e sentei. E como alguém que estava surdo desde infância, em milagre meus ouvidos se abriram. Assustado como uma criança, eu ouvi novamente o sopro avassalador do vento entre os eucaliptos, logo atrás de mim. Nossa! Era Ele novamente! Deus! Agora, desde aquele dia quando criança, já um velho conhecido. Pai e amigo de outrora que, porém, naqueles dias eu indelicadamente havia esquecido. Ele era o mesmo dos dias passados, tudo se foi: as árvores, os macaquinhos, as rezas, mas ele não.

Percebi que não estava sozinho e nunca estive. Talvez, por horas de anos, eu tenha estado surdo para o som da sua voz que sopra onde quer, e cego para enxergar as folhas caindo das árvores, todavia não estava só. Nem no instante mais insignificante de minha breve vida. Depois da nossa primeira apresentação, agora com um pouquinho mais de intimidade eu conversei com ele abertamente. Foi um bom papo, falei das rezas da minha tia e a gente riu juntos, também choramos juntos quando eu falei das dores das pessoas que moram, hoje, atrás da minha antiga casa.

Aquele era um dia de páscoa, foi inevitável lembrar da cruz e nesse instante, como alguém que desperta de um sono milenar, o vento soprou em meus ouvidos como um sussurro suave: “ Ainda achas que não me importo com a dor dos meus filhos? Ainda pensas estar sozinho?”. Não tive respostas, mas acho que chorei escondendo o rosto das pessoas que passavam próximo a mim. Acho que elas me tinham como louco. Não bastante, lembrei de tantas boas pessoas, que as chamo de anjos, enviadas de Deus para sarar tantas vezes minha solidão. Mas os anjos, diferente de Deus, sempre na hora certa, se vão. Não sei, talvez eles voltem para o céu. Mas deixam conosco algo lá de cima que chamamos de saudades. Não foi por acaso, nem de forma forçosa. Eu simplesmente caminhava pelo Campus me sentido triste, quando ouvir o forte som do vento a cruzar os eucaliptos do ginásio de esportes. Lembrei-me da minha infância, chorei e depois que de todos os sentimentos que contei, sorri e agradeci a Deus pelo seu sopro que desfaz a neblina da solidão e forte o bastante que dá vôo para os anjos com suas asas. Saudades dos bons amigos e de uma amiga em especial a qual dedico essa carta, obrigado pela sua amizade espero não te ver bater asas. Do sempre amigo... Castro Lins

3 comentários:

  1. de nada amigo,
    eu é que tenho que te agradecer !
    sua amizade é um presente INEFÁVEL dado por Deus.
    adorei o novo visual do blog,depois vocÊ me fala quem te deu a idéia...rs

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  2. Que lindo Castro!
    é maravilhoso perceber o Senhor nas coisas simples, no sussurrar do vento, gosto muito dessa sensibilidade. Ele sempre presente nas coisas simples, a lembrança da infância se encaixa perfeitamente, quando percebemos que nesse tempo eramos mais puros, menos apressados, e mais sensíveis as coisas simples, pois tudo é novo!
    Obrigada pelas palavras, enchem-me de esperança! Muito bom seu texto, amigo!

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  3. Tão mágico que quase posso (re)sentir minha contado-me estórias para me acalmar...

    Grata.

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