sexta-feira, 8 de março de 2013

SALTOS


 

SALTOS
 
Não quero começar com meus já típicos exageros e palavras vagas, no entanto, há de convir que, às vezes, é bom invadir outros mundos. Exagerar é um êxtase necessário. Por isso faço meu esse direito a partir do parágrafo seguinte. Esse direito, o terei até que ele finde, até que a fuga das palavras seja inevitável, até que eu indesviavelmente necessite retornar a minha cruenta realidade, porém, até lá, serei um sonhador como ensinas a ser.

Ó Deus salve os momentos de sonho! O que são estes, senão instantes raros que saltamos de dentro de nós mesmos? Neles transcendemos o real e nos deparamos com tudo que se encontra para além... a saber: Deus em sua dança a três, ou o amor nunca detido as margens do crível, a afeição mais terna, a amizade mais fiel, a dor interrompida, os anseios de perfeição, ou até, e por que não, a eternidade? Os litúrgicos cultos eclesiásticos também se dão, de tal modo, a essa mesma premissa. Ora, a arte, tal qual o oficio sacro, se faz o trampolim que proporciona e propulsiona esses mais belos saltos, se faz o êxtase que nos chama para fora de nós, os portais que separam a terra dos céus! Claro, por certo, alguns trampolins nos mantém mais tempo no ar, saltos longos, curtos, outros tão fortes que nos sentimos voando. Enfim, quero dizer-te que existem diversas formas de saltar em direção as coisas do alto, aquelas que Jesus afirma ser o nosso maior tesouro.

Como não recordaria aqueles saltos melhores, em que nos lançamos juntos e ficamos por horas perto do Alto antes de cair? Realmente, como esquecê-los? Deus seria mesmo pequeno se encontrado tão somente em celebrações e igrejas. Nossas risadas mais sinceras são orações involuntárias. O choro a dois, ou mais, é o louvor suave que inclina o próprio Deus, este desejoso para ouvir seus filhos. Se dois ou mais partem o seu pão e dosam-se de vinho, logo saltam por entre o passado e o por vir, saem de si para comer a mesa com o seu Cristo.

Os bons momentos que se foram... Foram porque ninguém permanece para sempre no ar. Essa é a regra dos trampolins: sempre caímos de volta. Alguns saltos são arriscados demais e dignos de palmas, e quem dera ficar no ar para sempre! Quero agradecer a todos vós que um dia saltaram bem alto comigo, seja no espaço da clausura dos templos, ou nos voos sem escala da poesia, ou ainda nas alegres ceias em bares cariocas. Não obstante, seria tolice discordar que os saltos entre amigos são as mais autênticas celebrações a vida e ao seu Autor, são os reais protestos daqueles que insistem em viver, ser e sorrir apesar das inegáveis dores dessa vida. São lugares seguros onde guardamos nossas esperanças, estas que furtivamente se perdem quando não bem protegidas. Os amigos são os protetores dos sonhos, evitam que estes se apaguem como a fumaça no ar. Ceamos a cada reencontro, e ao abraço mais forte. Bem aventurados sejam os amigos!

Não quero de modo algum incitar um palavreado que pouco se assemelha com a realidade, pois sei do meu inacabamento e, ainda mais, das sombras que carrego... ora, mas não é por isso que saltamos com todas as nossas forças? Saltamos por aspirar voar um dia, e quem sabe não conseguiremos?  Pretendemos a cada salto voltar renovados para pisar o nosso chão com mais firmeza, imbuídos, porém, com a alma dos pássaros. Não quero, com isso, dizer que não nos machucamos. Ora, da mesma forma que saltamos também caímos e, às vezes, fora do trampolim. O homem alimenta esperanças que nunca deveriam ser gestadas e, tão logo, chega a parada mais inevitável na estrada vida, a saber: a decepção. E se não fosse assim, também não seria a vida, não seria esse mundo, pois, não há como escapar do risco do tombo e também do medo do salto, ou dos infortúnios machucados tratados a mertiolate. Todavia, por isso não saltaremos? Abriremos mão dessa maravilhosa sensação? De modo algum! A despeito de tudo, saltaremos... Até que Deus faça de nós pássaros que saibam voar para ele.

 

Castro Lins

 

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