segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O DIA DA ILUSÃO





Particularmente aprecio, sem medidas, a data do natal. As luzes são encantadoras e seus enfeites travestem a vida com um brilho magnífico que esteve ausente durante um ano quase inteiro. As refeições são fartas e as mesas se compõem de familiares que normalmente estiveram ausentes durante muito tempo. As igrejas ensaiam corais, entoam lindos louvores sobre o dia em que Deus fez-se menino para habitar entre os homens a fim de salvá-los, trazendo raros nuances do nascimento de Jesus que estiveram ausentes da memória por praticamente um ano, perdidos entre os meses que antecedem dezembro.

Sinceramente, a magia natalina não importuna meus sonhos. O que em verdade preocupa é o que esteve ausente durante o restante do ano. O natal é encantador, e não poderia proceder de outro modo, pois romanceia a vida nos moldes que ela deveria decorrer durante o ano todo... Todavia, é imperdoável limitar a ceia – alimento responsável por amarrar os laços de uma família - a apenas uma noite em especial; ou escolher somente um entre os outros tantos dias da vida para ser grato a Deus. Restringir o nascimento do esperado Cristo a um dia na história, seja ele qual for, faz de Jesus mais uma entre inúmeras lendas de seres extraordinários. Apenas mais alguém improvável, personificado nos livros de história e nos contos imagináveis, ou um Bicho Papão que a igreja inventou para amedrontar os homens e encabrestar suas ações. A inabilidade para c rer e festejar a encarnação de Deus no transpassar de cada dia, faz do natal a data que os homens escolheram para viver sua maior mentira... Feriado cuja razão não vai muito além das massivas compras de pessoas entregues a apelos consumistas.

Os homens aprenderam a selecionar datas para boas obras e virtudes, na tentativa de calar uma consciência que requer em exigência, tais atitudes diariamente; não se constrói um castelo em feriados, pelo contrário, o que é de importância suma, exige a maior parte do nosso tempo.

De forma semelhante aos judeus, contemporâneos a Jesus, que deixaram o real significado do sábado perde-se nos moldes sólidos da tradição, os cristãos também estabeleceram o seu dia da ilusão, a saber: o domingo. Para alguns, esse é o dia, entre outros seis, escolhido para falar, vestir, cantar e enfim viver como cristãos. O dia da ilusão. Pois o castelo verdadeiro ao qual cada homem constrói, reside no lugar ou nas ações pretendidas com a maior parte do seu tempo, de modo que, em maioria de casos, as horas dadas ao trabalho ou a escola e família são de sobremodo maiores comparadas a aquelas dedicadas a visita dominical numa igreja. Portanto são essas as horas, e esses os exatos locais onde o real cristianismo merece ser manifesto com inteireza.

O domingo ganha termos hipócritas quando se diferencia do restante da semana: Quando Deus é exaltado com palavras no primeiro dia da semana, numa construção eclesial e esquecido no segundo dia num estabelecimento comercial desonesto, por exemplo. No terceiro dia por vir, Deus é ignorado no lar de pais e filhos intransigentes e carentes do menor sinal de afeto, cabível a família e ainda mais aos cristãos. No quarto dia, já tão distante do domingo, a alma encontra-se vazia e faminta por qualquer forma de relacionamento seja ele real ou não, abusivo ou faça uso egoísta de alguém. No quinto dia, Deus é retirado do campus universitário e preso nas gaiolas da igreja, local seguro onde Ele não pode chocar-se com ideologias ou talvez interromper os interesses tão comuns de ascensão social e distinção econômica que a universidade tanto propicia. Deus é tão sagrado, que ao sexto dia é excluído do ambiente de trabalho e assim Ele não pode ouvir todas as palavras maldosas e traiçoeiras que se profere contra colegas, ou um chefe. Ao sétimo dia Deus descansou, mas o homem continua a correr pelas cidades sem saber ao certo onde deseja chegar, a passos largos despercebido para as vestes maltrapilhas dos mais pobres que contrastam as roupas cristãs formais de domingo, o primeiro dia.

Dividir a vida em compartimentos à mercê de períodos ou ambientes, é uma forma perigosa que impede que o homem exerça o papel de um único personagem ao longo dos seus dias, sobre o palco particular da existência que possui apenas Deus como expectador. O Natal é uma mentira! Pois não é enorme o bastante para substituir todas as ausências do ano; de modo que sua veracidade depende, exclusivamente, do natal celebrado em verdade e amor todos os dias que possam anteceder dezembro. De caráter indistinto, os cultos dominicais são ilusões que ganham tons reais e veracidade apenas quando celebrados todos os dias conscientes de uma vida, fazendo do trabalho, lar, clube, trânsito, escola, cinema, fazenda... locais sagrados de culto continuo. No entanto, o papai Noel aparece uma vez no ano, na noite de natal. Semelhante ao deus feito de ausências, cujas aparições se limitam a um dia da semana. Entristece convir que muitos ainda acreditam no Papai Noel dos domingos à noite.

Castro Lins

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A ESTRANHA AMIZADE




Interessa atentar aos amigos e o modo como nos relacionamos com eles. Estranhamente, cada vez menor a proximidade, mais os tratamos com cordialidade e respeito. Temos- os semelhantes a visitas, oferecendo sempre o melhor - como um sinal de hospitalidade - tendo sempre em mente que as visitas nunca permanecem por longos períodos em nossas casas, assim, esse sacrifício cordial é encarado como breve, finito e louvável. Todavia quando se trata de amigos de verdade as ordens se invertem: ao invés de uma breve visita e posterior afastamento, o amigo a cada dia se aproxima mais tornando a cordialidade e o respeito um sacrifício duradouro demais que logo é posto de lado. Não é difícil identificar sinais de bons e velhos amigos, basta perceber os apelidos carinhosos ou gozadores; basta observar a implicância de um com o outro, ou a forma cara de pau que um se intromete na vida do outro sem medir palavras nem vender conselhos.


As formalidades se corrompem, pois nunca de boa consciência alguém, despercebido, deixaria escapar uma furtiva lágrima na frente de uma ilustre visita, porém, no que diz respeito aos amigos, lavamos o chão com todo nosso pranto se assim exige um desabafo. Mais cômico ainda é o modo ao qual reivindicamos dos nossos amigos alguns direitos: atenção, carinho, conselhos, dinheiro emprestado, telefonemas em horas importunas, depoimentos virtuais, memória impecável e entre outros. Fardos por vezes pesados e que nunca ousamos impor a um estranho. Favores a níveis mais difíceis remetem sempre ao amigo de nível mais verdadeiro, de modo que os sacrifícios do cotidiano estão sempre a cargo dos melhores amigos. Nem mesmo a memória dos amigos escapa de tantas exigências quando a questão refere-se a datas. As brigas também são um fator curioso, pois não é difícil crer que na mesma medida eminente da amizade, ocorre uma freqüência maior de brigas e uma disposição ainda maior para reconciliações.


Penso nesse instante, que todas essas estranhas relações entre amigos assemelham-se ao tratamento mais comum entre os irmãos: para esses, as implicâncias e discussões são tão normais quanto a ternura, altruísmo e proteção de caráter fraternal; de forma que os sinais de um desapontamento e total afastamento entre amigos ou irmãos não são exatamente as brigas, exigências, invasão de privacidade ou a falta da cordialidade ... mas sim, sem dúvidas, o sinal mais verificável corresponde a indiferença nos diversos aspectos da vida do outro. A inevitável petrificação do coração ocorre, não completamente, quando se deseja o mal a alguém – esse estágio de maldade nem sempre é alcançado – na verdade a forma mais comum de separação se faz quando não nos importamos nem mesmo com o bem e muito menos com o mal que afeta aquele que outrora foi próximo a nós.


Essa semelhança aparente entre o relacionamento de amigos e irmãos, não tem outra razão lógica a não ser o fato que a amizade é um caminho de aproximação que alcança a estatura da irmandade, implica também no que diz respeito aos desagrados, como já ditos: implicâncias, exigências... Todavia o fator mais glorioso é o aspecto da proteção e apreço cabíveis aos irmãos, porém conquistados com bravura pelos amigos. É uma elevação do amor... como mágica que transforma dois sangues distintos num único somente. A amizade é desafiar o destino e reescrevê-lo inserindo na história dois irmãos que outrora foram estranhos, nascidos de mães diferentes. As relações do amor são confusas de métodos indelicados, que por vezes fogem do nosso entendimento, e aos olhos dos homens são engraçados e sem sentido. Por outro lado, os incovenientes da intimidade são um preço mínimo comparado ao prazer de um amigo verdadeiro... Fazer dos simples visitantes da vida, irmãos para eternidade... é como fazer de um mundo separatista e indiferente uma enorme família num banquete de natal. Bem aventurado quem faz de um amigo um irmão chegado.


Castro Lins

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DESTINADO



Confissões dispostas no destino...
Falsas palavras nas quais repito,
São ordens de bom parecer divino,
Teatro de roteiro outrora escrito.

Dias póstumos postos no passado,
Igual aos mortos são os vivos visto
Que ainda nada pode ser mudado-
A eternidade com fim previsto.

Mas foi num dia chuvoso de repente,
Ousei contra o destino fi-lo ausente
Minutos... e Deus deu-me alguns somente;

Bravio roubei do destino sua pluma,
Navio de mar nordestino de espumas,
Doçura que dura minutos de bruma;

Céu de cheiro macio para os dedos,
Água pura que nas mãos corre turva,
Mel dos olhos e chora a cheia chuva
Para mares lava alma e leva os medos;

Avermelhados lábios são telhados
Talhados aos anseios mais pedidos
Das preces poemas dados aos ouvidos
Do Deus o escultor de tudo criado;

Criado do destino ditador...
Por minutos fui livre e libertado,
Liberto a milhas perto do amor
Que fugia embora entre os estados;

Poucos minutos de sonho passados,
Acordo do lado e vejo o abandono...
Sono do amor nunca a mim destinado,
Engano do tempo meu sol no outono;

Destinado a nunca esquecer a emenda,
Desvio no destino encurvo de rendas:
Noite de chuva, estrelas e lendas.

Antes do tempo predestinado a estar
Preso afável ao meu amor imutável
E assim destinado ao destino mudar.

Castro Lins