sexta-feira, 25 de março de 2011

CONTO: ÁRVORE DOS OLHOS VERDES


ÁRVORE DOS OLHOS VERDES
(PRIMEIRA PARTE )

Houve tempos em que os heróis nasciam no nordeste brasileiro, vestiam couro impenetrável, cruzavam a caatinga hostil em seus cavalos impetuosos a arrebanhar. Quando despertos a fuga do boi ligeiro, os vaqueiros disparavam a cavalgar... E quando por fim paralelos ao seu alvo, um desses prendia sua mão firme como corrente no rabo do boi arisco e com um forte desviar esquerdo do seu cavalo, o pobre animal fugitivo vinha ao chão erguendo poeira para ocultar sua queda abruta. Toda aquela perseguição empolgava o dia a dia do sertanejo. E o árido solo nordestino era um coliseu romano onde o homem e a fera arisca furtiva duelavam, uma caça envolta a arte de perseguir e derrubar, uma tourada brasileira que foi parte do trabalho exaustivo do sertão em dias de outrora.

Seu Jaime foi o maior vaqueiro de profissão conhecido entre aqueles tempos, pisara em todos os solos denominados nordeste desse Brasil, derrubou tantos bois quanto os dias da sua vida. Cavalgava esbelto e levava em sua garupa os corações das moças dos vilarejos por onde passava, deixava-as carentes, amputadas de órgão tão vital sempre quando ele partia em busca de uma nova aventura, um novo desafio. Jaime conquistara o respeito do povo pobre pela sua humildade e coragem, ninguém contava histórias como ele! Também se beneficiou de forma tamanha das riquezas dos fazendeiros, que logo careciam de seus serviços como vaqueiro.

O tempo é um boi santo e bravo que nem o próprio Jaime, príncipe dos vaqueiros, poderia perseguir e deter, ele não é nunca arrebanhável e foge como uma presa que zomba de seus caçadores. Conta a lenda que aquele vaqueiro capaz de emparelhar-se em corrida com o boi santo do tempo e, ferozmente, freá-lo puxando por seu rabo para então lançá-lo em terra, esse tão capaz, seria galardoado com uma nova juventude viril. O tempo será retrocedido para coroar esse vaqueiro vencedor.

Durante os dias do mandacaru verdeado, do caju que trava na boca e da pitomba com caroço... Jaime tinha se empenhado sobre tudo nessa vida e sua fama de herói do nordeste ganhou até as terras mais distantes e agrestes, entretanto, o boi do tempo havia fugido de suas mãos de corrente e Jaime envelheceu. O vaqueiro refugiou-se enquanto sua velhice, em uma terrinha simples de trechos salobra no sertão baiano.

O sol que estava sobre a terra, decidiu fixar-se não cedendo espaço para nuvens escuras que lembram um belo dia para o sertanejo. Por um tempo de sobremodo incômodo a qualquer vida, não chovia no sertão. Os rios secaram. A fome tornou-se peste que levou muitos embora consigo. A semente foi a primeira a ser enterrada e lá permaneceu sem nunca ousar germinar. A seca fez da terra esposa estéril e dos homens maridos infrutíferos, certamente a mais algoz conhecida pelo seres que moram embaixo do sol. Poucos fortes da caatinga ainda sobreviviam. Entre estes estava Jaime, quando todos outros de sua idade jaziam mortos.

A vida ainda resistia, cativa a seu velho corpo. O vaqueiro possuía em suas terras uma caverna, um lugar em segredo onde milagrosamente ainda havia água barrenta em um poço secreto. Era dessa fonte escondida que o próprio retirava o seu resto de vida, ainda bebia ele e seu velho cavalo de mocidade. Jaime vigiava atento dia e noite sua fonte, pois sabia bem que não podia dividi-la para mais alguém antes que a seca findasse. Todavia naquela noite ultima, dava a lua mais luz que o necessário e entre as sombras o atento vigilante percebe o aproximar de passos a adentrar lentamente em sua caverna. Ele segue o vulto, pronto para um degradante possível duelo pela água. A espreita, escondido entre os lajedos, Jaime observa a aparência do ladrão que de repente é revelada, quando este cruza uma brecha na caverna por onde a luz da lua penetra de forma irrevogável. E o vulto dá lugar a uma bela jovem de traços exóticos, com a pele cor de terra molhada e os olhos de um verde incomparável, afinal, por muitas datas que não houvera verde por sobre a terra. Como nunca antes Jaime estava encantado, sem medidas. Aquela moça era como a chuva mais esperada em anos de sequidão, sua pela confundida com a terra a que pisava e seus olhos de um verde como de um jardim suspenso.

Não havia luz da lua todas as noites. Mas a despeito, o vaqueiro espera a razão do seu encanto por entre as sobras observando-a beber. Á água passara a ser comum, como se fosse farta num rio, cuja importância viera a ser apenas de isca, ou luz que atrai a mariposa desejada. Jaime apaixonou-se perdidamente pelo verde dos olhos da moça da pele cor de terra. Num árido dia decidiu se preparar para então, naquela noite, revelar sua paixão para aquela que ele já a muitas noites conhecia por observar; deixaria ele seu oculto esconderijo nas trevas e contemplaria de perto os olhos de sua amada. Todavia, quando ao dar de beber ao seu cavalo, percebeu o seu reflexo ligeiro e colorado na água barrenta do seu poço. Lembrou da sua velhice em oposição ao seu passado heróico. Os traços maldosos da idade fizeram-no temer o repudio ao revelar-se a sua preferida. Jaime não pode chorar ainda, pois a seca alcançara a sua alma. Decidido a um ultimo gesto de fé antes da morte pelo desgosto tristonho, o vaqueiro selou seu velho cavalo, precaveu-se do máximo de água que poderia carregar e partiu veloz em busca do boi do tempo, decidido a derrubá-lo e ganhar em troca sua juventude de volta.

Em sua velhice, naqueles dias de seca e fome, o vaqueiro novamente cruzou todo o nordeste na busca corajosa do boi santo do tempo. Viu em sua viajem muitos miseráveis e retirantes fugidos da seca, relutavam contra a morte que os perseguia em encalço. Três meses passaram, e quando a morte sedenta veio das trevas buscar os últimos suspiros do lendário vaqueiro, ou quando o mesmo mal conseguia manter-se mais sobre seu cavalo. Sem espera, algo acontece e surpreende até mesmo a morte que interrompe sua vinda. Um vento altivo de ímpeto indescritível e força indelével perpassa entre a mata, levantas suas folhas secas, choca-se com o velho vaqueiro e o derruba sem esforço do seu cavalo. Era o boi santo tempo, fujão e zombador. Castro Lins

(CONTINUA)

2 comentários:

  1. Conta mais, conta mais!!! rs!

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  2. eiaaa, vaqueiro, essa história tem um final feliz? ..rs
    éé... bom que você deixa a gente na curiosidade né, espertinho!
    rsrs
    Bjão!

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