quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CONCESSÃO – Prosa, embora Poesia

 
CONCESSÃO – Prosa, embora Poesia

 
                 Nunca fui excelente no uso das palavras, aliás, por muitas vezes fui rude e ignorante a dispor da amada Língua Portuguesa, não nego. Se bem que se eu pudesse ir ter com a gramática para definir a vida, eu bem logo sentenciaria: Orações Subordinadas Adverbiais Concessivas. A mais simples gramática nos recorda: “As orações subordinadas adverbiais concessivas são aquelas que admitem uma contradição ou um fato inesperado. A ideia de concessão está diretamente ligada ao contraste, à quebra de expectativa.“
             Nada definirá a vida melhor do que expectativas em quebra e contradições admitidas, porque todo “porque” um dia mentiu. A vida se escreve com “conquanto”, muitos “apesar de” e tantos outros “embora”. Pois que seja a vida essa prosa, posto que seja também poesia: Eu amo com o ímpeto de todas as minhas forças, embora o amor seja a mais frágil das efemeridades. Eu amo como o louco que desdenha o sofrimento que lhe espera, ainda que o amor seja a mais bela das ilusões, eficaz somente porque engana os olhos e pinta de esperança a crueza vil desse viver. Eu amo com amor que desconhece reservas, tão forte que beira o pecar pela idolatria, apesar de saber que a morte virá impiedosa e tomará para si tudo aquilo que ousei amar, apesar de não crer em inteireza nesse que nada é mais do que o ausente milagre, que nada é mais do que o divino alento feito palavra, e nada mais é do que o amor. Conquanto eu amo!
           Eu insito na vida, ressuscito a cada erguer da cama, madrugo para que o dia não me encontre a dormir. Transpiro como aquele que trabalha o ferro por também desejar uma família, filhos e uma casa de férias, apesar da vida não merecer a mais impura gota do meu suor, mesmo que seja melhor dormir do que acordar. Conquanto, não vi em vida túmulo melhor que a minha cama. Apesar de me ter perdido desde que nasci, de me ter perdido logo assim que pus os pés no “sem sentido do viver”. Ora, eu vivo como quem sabe aonde ir, embora o que sei é que a vida é uma errância enfadonha. Vivo! Conquanto só reste a loucura que enxerga ordem, quando até as crianças percebem o caos e ecoam sua inocência: “ai quem dera nunca... felizes aqueles que nunca conheceram a vida!” Conquanto eu vivo!
           Eu sou alegre e otimista, ainda que a miséria comece em mim e se espalhe a todo redor por onde há existência. Sou feliz, mesmo que eu tenha olhos somente para ver e tão logo usá-los para chorar. Sou mais que feliz e nascido para isso, ainda que o sofrimento esteja plantado em todo solo desse mundo. Cultivo risadas, embora em terra seca e infértil. Pobres sorrisos nascem sem vigor e logo murcham como crianças desnutridas. Conquanto sou feliz!
           Eu creio em Deus desde a matéria desconhecida que compõe a minh’alma, creio como aquele que foi transladado de si mesmo e hoje é posse do eterno. Possuo a veemência da fé que me toma como a uma criança que não escolhe para onde ir... Embora o sofrimento seguido da angústia grite desmedido a nossa orfandade, e quem há de pedir-lhe um minuto de silêncio? Eu creio na existência de Deus, ainda que os seus porta - vozes façam dessa existência a mais indesejável entre todas ou, senão, a menos confiável. Eu creio... Eu creio sem porquês. Creio com concessão. Creio com o enorme contraste entre Deus e a vida que ele nos deu, ou dá, ou permite. Eu creio e amo a despeito de mim, e apesar de mim amanhã há de ser outro dia. Eu tenho fé em Deus, mesmo quando escuto à noite o choro pueril dos meninos de rua. Amo, embora não entenda ou muito menos explique o ser amado. Eu oro, mesmo que a vida seja indiferente a minhas devotadas palavras. Eu oro, embora a vida seja sempre a mesma de sempre, e mesmo que Deus não tenha voltado, ou notado o choro. Eu oro! Oro orações subordinadas adverbiais concessivas, conquanto, como se nada fosse mais certo, eu creio!
           Essa antiga canção, melhor do que a gramática, define a vida com a leveza sonora dos mais calmos ventos: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimentos; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha Salvação...” Livro de Habacuque.                 
                                                       Castro Lins

2 comentários:

  1. Menino, tanto tempo que não venho aqui!! Sempre é muito bom ler seus texto. Abraço saudoso. Thaysa/IPL2009

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    1. Obrigado minha querida amiga, saudades de ti. Abraço saudaso também!

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