segunda-feira, 12 de novembro de 2012

PARECER TEOLÓGICO

O que diremos, pois, diante do Sofrimento?


 Ainda que consideremos em inteireza o mundo pós- modernos com tudo que nele cabe, que mente será furtiva o bastante para escapar do “Pensamento Deus”, quando diante do sofrimento humano? As mazelas sociais são hoje explicáveis em termos sociológicos, e os desastres naturais são largamente estudados nesses dias de suposta consciência ambiental, contudo, o mais primevo “Pensamento Deus” continua a renascer a cada terrível onda que se levante dos mares pronta para varrer a terra, a cada temor do homem e tremor do chão, a cada vento intempestivo, enfim, a cada doença, ou a cada sinal vívido da morte. Não importa o nome do algoz, ou o quanto avançamos em ciência, o “Pensamento Deus” ainda é inegável. Posta essa certeza, a partir dela surge outra questão elementar para os que creem Deus, a saber: há interferência divina no que diz respeito as tais desastres naturais?

                             O que dizer diante de milhares de mortos levados pela fúria das águas, crianças, velhos, cristãos, ateus, bruxos, bons, mulçumanos, astrólogos, pobres, maus e mulheres? Proclamaremos, então, a interferência de Deus nesse processo? Claro que não, a menos que O confessemos como um sádico, pois o simples fato da ocorrência de tais desastres já nos diz que Deus não interferiu para evitá-los. Ou Deus não interfere, ou Deus é a causa de tais desastres danosos, esta é a opção que resta se desejarmos considerar uma interferência divina. Ou diremos que ele puniu os pecadores? Supondo uma resposta afirmativa, poderíamos até encontrar respaldo velho- testamentário que, porém, nada se aproxima com o principio do amor o qual Jesus sobrepôs a toda boa teologia cristã, e ainda, seria impossível conceber que a misericórdia de Deus não tenha alcançado nem sequer uma entre as tantas crianças, talvez cristãs, agonizantes enquanto se afogam. A busca por respaldos bíblicos pode confundir ainda mais o tema, afinal de contas há de se convir que, sem muitas dificuldades, poderíamos constatar um parecer teológico distinto para cada livro da bíblia, o que nos colocaria inutilmente diante de diversas supostas verdades bíblicas. O que diremos mais então? Diremos que Deus é fraco, incapaz de intervir, ou pior, senhorio relapso? Descartamos tão logo essas palavras, não por serem falsas ou verdadeiras, mas porque de nada servem para nossas almas, enquanto estas sedentas por proteção, cuidado e amor.
 
                                          Perante a opção do sadismo divino, convenhamos na escolha da não interferência divina perante os desastres naturais, compreendendo como desastres naturais aqueles cuja ação do homem é mínima, o invés, por exemplo, seria construir casas a beira de um vulcão, ou em áreas mananciais. A causa desse tipo de calamidade facilmente é atribuída injustamente a Deus, principalmente quando sob a intenção de alienar, ou seja, mascarar as verdadeiras causas sócio – econômicas que fazem do homem o principal, senão o único, responsável no que se refere a esse tipo de acontecimento. Todavia ninguém pode negar que existem fatalidades, ou melhor, calamidades naturais cuja ação do homem é irrisória. Os tsunamis e terremotos são exemplos quase inteiramente incontestáveis. No que diz respeito a tais desastres, não há o menor controle ou a menor interferência causadora nem da parte de Deus, nem da parte dos homens. São males que, diria o Eclesiastes bíblico, sobreveem sobre todos, justos ou injustos. Males que correm as cegas sobre os homens.
 
Por outro lado, se descartamos a fraqueza de Deus e também o seu prazer no sofrimento e, além disso, conclamamos que Deus não interfere, por conseguinte outra pergunta é inevitável: mas por que não o faz, não interfere por quê? Ora, por certo não cremos em um Deus sádico, porém se seu desejo fosse que não experimentássemos o sofrimento, melhor seria não ter soprado a vida em nossas narinas, isto é, melhor seria não nascer, pois desde início da vida somos concebidos nas dores de nossas mães, como se esse fosse um mero anúncio do que está por vir. Como disse Viktor Frankl: “a vida é sofrimento, sobreviver é encontrar sentido para dor.” Os desastres naturais nada mais são do que nuances de uma criação que geme, uma criação cujo elemento fundante é o sofrimento, ou em outras palavras não menos alegóricas, a matéria prima do mundo é a dor, logo, se somos feitos por Deus para esse mundo, somos feitos para sofrer. Como disse certo evangelho certa vez: “nem mesmo o Filho do homem (Jesus) veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10:45). Esse pressuposto, claro, não se atém a constância ininterrupta desse sofrer, mas apenas quem é incapaz de constatar o sofrimento, em termos empíricos, pode negá-lo. Enfim, Deus não interfere porque o sofrimento é parte fundamental da vida, ou do mundo criado por Deus, e o único modo de realizar sua interferência seria negando a nós esse dom da vida, o que não o fez. Mas não encerramos por aqui, continuemos:
 
 
    E como encontrar significado para oração e para os milagres dentro desse quadro proposto? As orações se explicam de duas formas: por um lado substanciam uma real relação, imprescindível, entre o homem e o ser eterno, este que move suas esperanças concretas inclusas no seu tempo de vida, e também suas esperanças abstratas postas nos anseios do além - vida. Por outro lado as orações seriam inúteis, pois a observação realista da vida nos diz que a movimentação do mundo, com tudo que nele cabe, é indiferente aos nossos pedidos, se assim não fora teríamos um mundo que é resultado das nossas orações. E ainda, como atender a dois cristãos que fazem pedidos opostos, cuja realização de um depende da irrealização do outro? As interferências de Deus a favor de um indivíduo, enquanto a sua indiferença a no que se refere a outro, indicaria um exclusivismo impiedoso de Deus, semelhante à xenofobia, ou um total descaso com o homem, este, seu provável objeto de amor. Ao conceber um Deus assim, deveríamos também excluir de nossas vidas o conceito de graça, já que existem merecedores e imerecedores do cuidado de Deus. Inexplicável seria também o incontestável sofrimento do fiel a Deus, especialmente quando este ora e suplica o cessar da situação indesejada. Mas a oração não é por toda inútil, além do alento que desce dos céus, ela se justifica a partir da existência dos milagres, estes que não deixam de ser felizes exceções à regra. Traçamos para a vida um continuum de sofrimento indiferente as nossas orações, porém com raras exceções que por vezes sujeitam-se à oração, a estas chamamos de milagres. Todavia essa assumida interferência divina não possui como causa última o cessar do sofrer humano, pois tomando como exemplo as curas de Jesus, estas não evitavam que, em dias depois, as enfermidades retornassem aos frágeis corpos outrora curados. Nos relatos bíblicos Lázaro ressuscitou, mas isso não significa que ele viveu eternamente aqui na terra, em um segundo momento, ele necessariamente experimentou a morte pela segunda vez. Mera procrastinação. O que diremos, pois, o milagre é um simples paliativo para a morte, ou para o sofrimento? Não. Recorrendo aos evangelhos para compreender os milagres, insistimos nestes como sinais que apontam para planos superiores de Deus, os homens, nesses casos excepcionais, são apenas meios para que seja manifesta a glória de Deus ou a sua vontade. Isto é: não importa quem pecou, quem orou ou quem deixou de pecar, em outras palavras, o indivíduo em si, sua fé, pecados, bondade, seu sofrimento, nacionalidade ou religião, esses são fatores indiferentes e incapazes de desencadear milagres. Por fim os milagres são interferências de Deus, raras, porém feitas por ele e para ele. (João 9:3)
 
                            Já sabemos que Deus não interfere, exceto em raros momentos. Sabemos que o sofrimento é inevitável, inerente a todo aquele que ousou existir. Os desastres naturais veem sem causas conscientes, movidos por leis naturais que são causas primeiras e não interrupções dos processos. Por fim, uma ultima questão, o que leva Deus a plantar- nos em um mundo cujo sofrimento é indesviável? Talvez seja tolice essa tentativa de perscrutar a mente de Deus, contanto, quem há de negar que sem as hipóteses beiramos ao esvaziamento dos significados, estes tão uteis para o viver? Portanto permitam-nos supor, ou teologizar, mais uma vez: Não seria o sofrimento o estágio decisivo, isto é, os portões que precedem a virtude para uns e, para outros, a perdição? Podemos festejar a ressurreição sem antes chorar a morte? Por certo não. O sofrimento é o embrião do mártir, mas também é o germe do carrasco. O sofrimento é o inferno na terra, todavia também é o pontífice para a salvação. Para um consciente desvio do masoquismo, temos que compreender tais palavras como significação para o sofrimento. Nenhum cristão nega a necessidade de um sacrifício para a nossa salvação, e o que é um sacrifício mais do que um sofrimento resignificado? Resignifica- se a cruz, um objeto de tortura e morte, para encontrar, naquele que sofreu nela, o caminho para à eternidade cujo sofrimento é inexistente. A vida é sofrimento, mas viver seria sem propósito se o sofrimento não nos levar a algo maior do que ele. Ora, a vida não pode se encerrar nele, ao invés, a vida real começa muito além da vida de sofreres, poderíamos mesmo dizer: Para além do sofrimento, a vida. Todavia essa é uma simples tentativa de compreensão. O que temos a dizer é que Deus tem seus desígnios para o sofrimento, para os desastres naturais. Deus tem suas razões sobre as quais, na sua maioria, desconhecemos. Fato é que ele não interfere, embora seu consolo e presença, inegável nesses momentos, sejam mais relevantes do que qualquer interferência. De igual modo, não adianta muito explicar o sofrimento, quando somos insensíveis a ele, quando não sabemos silenciar e sofrer junto ao outro. O consolo, enfim, trás com ele tudo que precisamos saber sobre sofrimento. Seu poder é pungente e tão forte que falam dele como o próprio espírito de Deus ali presente ao lado do que sofre. Deram-lhe até nome, a saber: Consolador. O Que diremos, pois, a vista do sofrimento? Nada que possamos dizer irá evitá-lo. Resta-nos dar-lhe sentido e esperar a salvação. Diante dele, Deus nos confere o consolador. Mais útil, porém, é se calar.
                      Castro Lins

Nenhum comentário:

Postar um comentário