quarta-feira, 14 de março de 2012

UM DIA ESPECIAL




Um Dia Especial


Fui amigo de um rapaz chamado Levi. Ora, para evitar suspeita, ou dúvidas sobre a veracidade das minhas palavras, devo acrescer que ele foi apenas um conhecido, ou ainda, talvez, somente uma história, seja como julgar melhor o leitor. Sei que não deveria eu ousar tanto quando falo a respeito de uma dor que, em seus mais aspectos, simplesmente desconheço. Todavia a narrativa é curta demais para que ofenda quem a ler, essa relis historinha não passa a ser mais do que é, a saber: insignificante! Porém, no fim, alguém a de convir comigo, a despeito de todo o meu amadorismo, e encontrar por entre seus melhores conselhos essas palavras inacabadas.

Levi foi um rapaz que descobriu um invasor mortal em seu corpo, este o invadiu em idade inoportuna, pois meu amigo ainda era um jovem moço quando soube que fora acometido – não sei se essa última é a melhor palavra a se usar – por um câncer que lhe deixou apenas com alguns
outros poucos dias de vida. Claro que deves, amigo leitor, estás a pensar que nenhuma novidade há nessa historinha proposta, afinal, muitas são as pessoas que sofrem com câncer ou outras doenças terríveis, e todos já sabem como se sucedem e até como terminam tais histórias. Ora, meu leitor, não estou eu ciente de tais perigos literários? Ainda mais, posso dar- te garantias que o último dia de vida desse rapaz é digno de relato meu – escritor de um blog quase nunca acessado - em uma página ou duas no máximo, dependendo da minha pobre criatividade. No entanto, voltemos ao Levi em seu derradeiro dia de vida:

Aproximavam-se às nove da manhã
quando acordou em uma cama de hospital público, estava vigiado apenas por uma enfermeira obesa de meia idade que parecia não saber como sorrir. Às nove horas e quarenta e cinco minutos sua mãe apareceu por entre as portas. Ela ficara sabendo, há poucos dias, que o filho, pobrezinho, estava nas últimas e quando soube fez o que nunca havia intentado nem em seus surtos de coragem: desafiou o marido e sua usura, fez-lo pagar as despesas com a longa viagem e ainda exigiu dele muito dinheiro, baseada na crença inocente que o filho ainda poderia ser curado se, despeço daquele fétido lugar público, transferido para um bom hospital de usura tal a do seu marido.
Ah caro leitor, pensas que o que narrei até agora não te impressionas em nada, não é verdade?
Mas é porque tu não conhecias essa mulher pacata que mais parecia uma serva passiva do seu marido, porém por um dia, não mais do que isso, o que para minha história é bastante, essa mulher enfrentou o senhor que por uma vida a oprimiu e viajou dias para encontrar o filho e, por uma única vez, recolhe-lo em seu colo magro. Seu corpo quase sem força estava infantil no colo servil da sua mãe, foi o que Levi desejara por a vida que já estava a se findar.

Às onze horas, a surpresa de Levi não poderia ser comparada a nada que um dia surpreendeu esse escritorzinho de blog, por isso, paciente leitor, sinto dificuldade em descrever esse momento, mas tentemos: Levi não conheceu seu pai - até aquele instante - este deixou sua mãe após rejeitá-lo ainda bebê. Ser rejeitado antes de nascer é como ser julgado antes mesmo de cometer o seu crime, mas prometi não me alongar e não vou estender mais essa história com as tantas metáforas que agora me vêem a cabeça. Sei que tu, leitor, és empático o suficiente para recriar para ti o sentimento sem precedentes de nunca ter conhecido o seu pai, mas naquele dia último tudo se desfez como se a morte fosse capaz de apagar os ressentimentos e culpas, e foi aproximadamente isso o que aconteceu: Levi experimentou a sensação, que não consigo contar em detalhes, de abraçar pela primeira vez o seu pai que, mesmo que após anos, naquele dia foi ao seu encontro.

Quero pedir perdão se dei a entender que, antes desse dia miraculoso, Levi se encontrava sozinho nesse mundo, sinto muito se não fui claro. Para me reparar, devo lembrar-me de alguém. Uma doce e meiga garota que estava, como sempre esteve, ao seu lado: antes e durante a internação. No dia da sua morte foi a primeira a sentir sua pele fria sobre as mãos. Sim! Essa por certo essa é a melhor resposta aos seus pensamentos, meu querido leitor, por isso deixa-me repeti-la com mais clareza: Sim, com certeza ela o amava de modo sincero, claro, por isso ele não deveria queixar- se com Deus alegando que nunca fora amado... seria o mesmo que mentir após a morte, se isso for possível.

Oh não! Esqueço-me de uma parte importante dessa história. Estou certo que alguém me repreenderia por contar um sonho feito de talvez, mas seria desonesto com os sonhos não contá-los unicamente por não serem reais ao meu juízo, não concordas? Deixe-me parecer ao menos honesto: Naquele
leito, naquele dia, na penumbra entre o a luz e as trevas da noite, outra personagem chegou para compor o dia. O sol raiara logo em seguida a entrada furtiva dessa moça no hospital, só sei dizer que ela tinha olhos tristes que o observavam de longe. Aproximou-se com uma lentidão crível e enquanto dormia o
meu prezado amigo, ela o beijou, tornou a beijar a única boca que a beijou até aquele - inefável - momento e depois, às cinco da manhã, depois de muito olhá-lo, se foi. Levi empobreceu minha história quando decidiu velar para si o nome desse sonho. Pareceu-me acreditar que não seria necessário, outra vez mais, acordar de seus belos sonhos, isso o fez feliz.

À tarde, já próxima do seu fim, trouxe antes de ir os seus irmãos, estes ficaram por tempo suficiente para recordar as inúmeras travessuras e brigas tolas, a mágica daquele dia transformou tudo em motivo de riso. Algumas tias queridas chegaram lá pelas cinco da tarde com alguns quitutes culinários, Levi provou tudo as escondidas e levou para o céu sabor adorável da comida das suas tias. Amigos tão virtuais que um dia se foram no tempo, também quase não cabiam naquele quarto dividido com outros dois doentes. Levi confessou que se o céu o deixar escolher sua própria alegria, ele iria reviver por lá os bons e divertidos dias, ainda que raros, ao lado dos amigos. As palavras realmente ditas, ou aqui inventadas por mim, se fizeram na hora sexta desse dia.

Às sete horas da noite pediam licença pela janela. Irmãos de sua pequenina igreja recitavam suas orações, talvez pela primeira vez ele as ouviu atento com olhar fito nos lábios que se moviam em petições. Ele riu para si e decidiu por fim ensaiar sua última oração e, por conveniência, fechou os olhos. Antes de findar à hora sétima, de um modo incompreendido a dor deixou seu corpo, devo, no entanto, pedir que não prossiga em sua credulidade, meu amado leitor, ao ponto de cogitar um milagre, pois não foi bem o que ocorrera naquele instante. Entretanto, para além do milagre Deus foi o seu último, e mais esperado, encontro de um dia especial.
Deus veio vê-lo antes do fim, ou do início se melhor calhar. Entre murmúrios de orações percebeu presenças, por fim sentiu morrer a solidão e, não por mais do que doces minutos que antecediam a morte, a vida se fez preenchida de significado. As tantas dúvidas o deixaram morrer em paz, o choro estava a tomar a todos, menos os olhos já fechados do meu querido amigo.
O que tenho a diferir nessa história, meu já intimo leitor? Nada em especial, a não ser por um dia somente. Pois por um dia, sinto só poder garantir um dia, meu amigo não esteve sozinho.
Estou a pensar, por agora, se foi o câncer ou em suma a morte responsável por proeza tal... não tenho respostas, mas se foi que seja! Se a vida se fez refém da presença da morte, o que fazer? Importa saber, porém, que antes que Deus se inclina- se para levá-lo consigo após a acre solidão dessa vida, o dia último de Levi, meu amigo, foi especial.
Se suas expectativas foram, meu leitor, de modo superiores ao que te ofereci, peço desculpas novamente. Isso foi tudo que Levi me deixou: um dia
especial.
Castro Lins

"(...) Porque o homem se vai à sua casa eterna, e os pranteadores andarão rodeando pela praça;” O Coélet

quinta-feira, 1 de março de 2012

UM ESTUDO EM ROMANOS _ Primeira Parte



"Esse texto é uma adaptação escrita, inspirado na mensagem original
ministrada na Primeira Igreja Batista em Seropédica."


ESTUDO EM ROMANOS- Primeira Parte

Sem encontrar muito que dizer por agora, começo pela minha simpatia por alguns
livros da bíblia. Um deles, por certo, é a epístola aos romanos. E digo de
passagem que esse é um livro realmente fascinante e que desperta em mim, desde
muito tempo, curiosidade. A carta aos romanos é considerada pela maioria dos
estudiosos, um tratado, o texto mais bem elaborado, e talvez o principal, desse
personagem intrigante chamado apóstolo Paulo.

Ao
diferenciar-se bastante das demais epístolas do apóstolo, essa carta pede sobre
si um olhar especial. Nas cartas aos gálatas ou aos coríntios, por exemplo,
Paulo responde a necessidades especificas vivenciadas por essas comunidades, em
outras palavras, Paulo ensina, combate
opositores, repreende condutas, fortalece, consola... todavia o faz sempre
segundo as demandas de cada grupo, digamos, de cada igreja .
No entanto, isso
não se aplica a carta aos romanos, pois, conforme o seu primeiro capítulo,
Paulo deixa claro o seu sincero desejo de visitar aqueles irmãos em Roma, mas
isso até aquele momento ainda não havia acontecido. Enfim, Paulo escreve a uma
igreja que ele ainda não conhecera pessoalmente, de modo que esse valioso
escrito pode, mais do que qualquer outro desse autor, ser usado em maior
amplitude, ou seja, seus ensinos são fundamentais para igreja em qualquer lugar
que esta se encontre, ou sendo mais ousado ainda, em qualquer tempo que esta se
encontre. São palavras que, não totalmente, mas em parte, ultrapassam os
limites contextuais, temporais, de uma comunidade cristã.

A
carta aos romanos foi uma oportunidade perfeita para o apóstolo tratar, de modo
profundo, o que é central e distinto para sua doutrina, a saber: A justificação
pela fé em Jesus Cristo. Esse texto é de uma força tal que Paulo parece progredir
em sua elaboração sobre assuntos que são o fundamento da fé Cristã. Ele fala de
modo soberano sobre o poder da graça, a maldição do pecado, a justificação pela
fé, a ação transformadora do Espírito Santo. Paulo, como um experiente maestro,
vai progredindo mais e mais até chegar a um ponto da carta em que simplesmente
se encontra sem palavras... sem ter o que dizer. E é exatamente esse trechinho
da carta em que de repente o apóstolo emudece, perde as palavras, que
oportunamente pretendo tecer algumas simples palavras minhas.

Verso 30: “Que
diremos, pois, à vista destas coisas?” Em outra tradução talvez essa
expressão pareça mais clara: “Depois
disso, o que dizer?”

Começamos esse ligeiro estudo, exatamente no
momento em que nosso personagem principal, Paulo, afirma não ter o que dizer
diante, ou depois do que já foi dito. Propositalmente usei a palavra “afirmar”
enquanto me referia a uma pergunta, e ai está a grande ironia presente nas
perguntas retóricas, estas são perguntas que na verdade não indicam dúvida, ou,
pelo contrário, expressam uma certeza evidente. Esse pequeno trecho do capítulo
8 contém muitas dessas perguntas especiais que mais afirmam do que questionam.
De forma que o texto trata sobre certezas vitais escondidas sob a aparência de
perguntas. O texto segue, como se subindo, por sobre perguntas retóricas:

Ainda no verso 30: “Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será
contra nós?"
Quando garoto, vivia a tranquilidade da minha
infância até o dia em que a geladeira da minha mãe recebeu seu mais novo
enfeite, um adesivo barato que foi colado na sua porta. Nele, estava escrito:
Se Deus é por nós, quem será contra nós?
Estava eu diante do meu primeiro
mistério. Desde onde consigo me lembrar, essa pergunta sempre me incomodou. Imaginei
todas as possíveis respostas para ela e só acalmei minha alma quando, aos doze
anos, cheguei a conclusão que Deus era por mim, enquanto a minha malvada
professora de matemática certamente seria contra mim. Alguns anos se passaram,
quando já adolescente fui ao cabeleireiro, de repente, olhei no recanto do
espelho e ela estava lá, havia voltado para me atormentar. Carreguei comigo
essa pergunta por muito tempo, até pensei que finalmente havia respondido- a
quando supus que o diabo seria contra nós. Eu não entendia... Não sabia que
essa era uma pergunta daquelas cuja resposta está ao mesmo tempo implícita, e
ao mesmo tempo clara como o dia.
Hoje eu entendo... que somente não há quem seja contra nós quando Deus é por nós. Isso
não significa ignorar os possíveis adversários prontos para nos fazer mal, ao
invés, seu significado equipara-se ao verso 28 desse mesmo capítulo:
“E sabemos que todas as coisas cooperam juntamente, para o bem
daqueles que amam a Deus...” Sabendo que são todas as coisas, eu acrescentaria
ao versículo: Todas as coisas, inclusive o mal, inclusive os adversários, cooperam
para o bem daqueles que amam a Deus...
Perguntas retóricas existem para nós deixar
indefesos, acontecem quando nossa melhor resposta é o silêncio:

Verso 32:
“Aquele que nem mesmo seu próprio Filho poupou, antes o entregou por
todos nós, como nos não dará também, com ele, todas as coisas?”

Esse verso acima nos remete a conhecida história de
Abraão e seu filho Isaque e, mais
especificamente, ao relato que descreve o momento em que Deus pede a Abraão o sacrifício do seu próprio filho,
este prontamente se mostra disposto a obedecer o seu Deus e sacrificar o filho,
mas Deus o impede posteriormente. Essa história enfim deixa entender que se
Abraão era capaz de sacrificar o seu amado filho em favor a Deus, por certo
também era capaz de tudo fazer por amor a esse mesmo Deus. Aquele que oferece
um filho, não negaria nada mais. No entanto, quando Paulo aqui se refere a Deus
e seu filho Jesus crucificado a lógica é inversa, tudo é posto de cabeça para
baixo: Pois já não é o homem quem sacrifica seu filho a Deus, o fascínio é:
Deus que sacrifica seu filho pelo homem, e se ele, Deus, é capaz de sacrificar
o seu amado filho em favor do homem, por certo também é capaz de tudo fazer por
amor a esse mesmo homem.

Perguntas retóricas nos expõem a certezas ímpares e,
por vezes, nos encontramos simplesmente sem ter o que dizer. Talvez seja esse o
intuito do autor: roubar nosso fôlego nos expondo a verdades sem par;
(Continua)
Castro Lins

UM ESTUDO EM ROMANOS - Segunda Parte






"Esse texto é uma adaptação escrita, inspirado na mensagem original
ministrada na Primeira Igreja Batista em Seropédica."


ESTUDO EM ROMANOS - Segunda Parte

Verso 33- 34: “Quem intentará
acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.

Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou, antes, quem ressuscitou de entre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós.”

As verdades desses versos parecem óbvias para qualquer cristão, todavia, nossa mente, sempre amedrontada pela culpa, recruta erros e acusadores a todo instante, esquecendo quem nos advoga e justifica. Taís palavras são repetidas ao longo de toda obra escrita do apóstolo de modo a torná-las centrais para sua doutrina,
porém, mesmo dessa forma esses versos, ainda, podem se apresentar como perguntas comuns, sem a retórica das perguntas anteriores, sem certezas imprescindíveis, pois, no final, nos resta sempre a escolha indelegável:
interpretar para a vida tais palavras como certezas consideráveis, ou,
simplesmente, ignorar a retórica com a incerteza recorrente a qualquer outrapergunta comum.

O texto
continua a subir, como se progredindo a um clímax. Acredito que todas essas perguntas antecedem, pronunciam e anunciam uma outra de importância última. A essa pergunta Paulo dedica mais atenção, pois, antes mesmo de respondê-la, põe- se a listar possíveis respostas erradas:

Verso 33:
"Quem nos separará do amor
de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a
nudez, ou o perigo, ou a espada?”

Paulo
provavelmente se refere às ferozes perseguições sofridas pelos cristãos de seu
tempo e, não muito menos, também a todo sofrimento que nos assola hoje. Será,
afinal, o sofrimento poderoso o bastante para nos separar do amor de Cristo?
Não é ainda nesse versículo que ele responde;

Verso 34- 35:
“Como está escrito:
Por amor de ti, somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como
ovelhas para o matadouro.
Mas, em todas estas coisas, somos mais
do que vencedores, por aquele que nos amou.”

O teor
dessas palavras perece mesmo fatalista, apresenta a morte por sua presença todo
o dia, como a estar sempre a nos cercar. Ao mesmo tempo o texto compara
cristãos a frágeis ovelhas a caminho do abatedouro, rumando sempre em direção a
morte. Não é nada difícil compor um tom triste a essas palavras. Se existe algo
temível nessa vida, certamente, é a morte com todo seu furor; Será ela poderosa
o bastante para nos separar do amor de Cristo?

O que mais
impressiona nesse texto é o efeito de ligação da expressão: “ Em todas essas coisas”. Pois ela faz um paralelo surpreendente entre o sofrimento e a vitória, como se ambos
caminhassem lado a lado, no entanto, nossa tendência natural é separá-los, como
se isso de alguma maneira fosse possível, e não é. O sofrimento é imanente a
vida e só quem ignora a dor do seu semelhante pode negar o sofrimento. As
igrejas inocentemente deturpam o significado desse texto quando afirmam que “somos mais que vencedores” sem antes
dizer: “em todas essas coisas”. É
justamente imersos na tristeza inamovível desse mundo, é cercados pela morte a
nos sondar todo dia, é presos a um contexto de sofrimento e dor... é em todas essas coisas, e outras mais, que somos vencedores, ou ainda, mais que vencedores por meio daquele que nos amou,
a saber: Jesus o Cristo.

Para ilustrar: Conheço a história de uma mãe
que por um longo tempo passou por muitas privações para custear os estudos de
uma filha. Ela trabalhou bastante, por vezes foi humilhada, porém, enfim chegou
o dia da formatura dessa filha, e esta fez para a mãe um lindo momento de
gratidão e homenagem... A mãe se emocionou bastante e disse:

“Se eu pudesse imaginar que viveria tamanha
felicidade e se eu pudesse imaginar... se soubesse que seria esse momento tão
especial... Passaria por todo o sofrimento que passei de uma forma diferente,
de uma forma mais firme e esperançosa, eu passaria pela dor como uma
vencedora...”

Eu devo
acrescentar a história quando digo que se nós cristãos pudéssemos imaginar... Se
nossa pobre mente pudesse conceber por um instante o que nos espera em Deus...
Passaríamos pelo sofrimento dessa vida como vencedores, com muito mais vigor e
esperança.

A esperança
que nos move por entre os pesares dessa vida é essa, como disse Karl Barth: “Do
mesmo modo que somos co- participantes das dores de Cristo, também somos co-
participantes da sua glória.”

Ou melhor
expresso pelo próprio apóstolo nos versos 17 e 18:
E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros, também,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos,
para que também com ele sejamos glorificados.
Porque, para mim,
tenho por certo que as aflições deste tempo presente, não são para comparar com
a glória que em nós há de ser revelada”.

Não!
O sofrimento não pode nos separar do amor de Cristo! Mas sou eu quem esta dizendo antecipadamente,
pois Paulo parece escrever um poema antes de responder a essa pergunta:

Verso 38- 39:
“Porque estou certo de que, nem a morte,
nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o
presente, nem o porvir,
Nem a altura, nem a profundidade, nem
alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, nosso Senhor.”

Chama
atenção como esse verso é iniciado com uma certeza manifesta. Antes Paulo
referia-se as dores desse mundo, agora, porém, se volta a forças de outro
mundo, a poderes ocultos, anjos, ou a avassaladora força do tempo que devasta a
tudo e a todos, mas de modo que nem estes, nem mesmo a vida com tudo que nela
há, ou a morte que varre todos os seres viventes, nem os céus ou a terra, nada
que um dia foi criado é forte a tal modo capaz de nos separar do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.

A certeza do amor de Deus, talvez
a única certeza que o homem precisa para viver. E diria ainda que a nossa
existência será de uma forma muita mais dolorida se nos faltar essa certeza.
Uma amiga, psicóloga, certa vez disse que, infelizmente, grande parcela dos
problemas relacionais, das violências domésticas e de tantos casos de abusos de
todos os tipos são recorrentes a pessoas crentes que nunca foram amadas por
ninguém, diz ela. Os piores males da nossa sociedade são reflexos da incerteza
desse amor. Lembro- me da única vez que vi meu pai chorar... Percebi por traz
da sua rigidez e intolerância uma criança alegando que ninguém a amava, nunca
esqueci esse dia em que enxerguei a real fragilidade daquele homem que não
sabia se relacionar com seus filhos.

A vida é um
bem perecível, ela passa com rapidez e não volta, logo, a maneira como passamos
por ela requer toda atenção. Podemos seguir por através dessa vida como órfãos abandonados em dias maus, imersos em um mundo onde o sofrimento não pode ser negado, ou, porém, podemos caminhar por entre a vida e suas dores como pessoas amadas,
naturalmente, incertos sobre muitas coisas, inconstantes, todavia tomados pela
constatação de que o amor de Deus não nos larga. De fato, nos dias de angústia,
fome e nudez, igualmente nos dias de dúvida, ou naqueles dias em que se deseja
nunca ter nascido, por certo será a certeza desse amor que irá nos suster, irá
guardar nossa esperança e, se, de algum modo vale a experiência deste que lhes
escreve, essa certeza foi e continua sendo a que resta a ele e, por fim, o mantém
vivo!

Castro Lins