sexta-feira, 20 de maio de 2011

Somente Diferente









É coerente com a sociedade, defender o pensamento que cada ser humano individual, em resumo, é fruto de uma construção humana coletiva, ou seja, social. Em termos mais alegóricos é como se o homem estivesse sempre em construção, inacabado, e cada relacionamento pessoal e social no decorrer de sua vida construísse um pouco da sua identidade. Os fundamentos desse edifício que denominamos “homem” são postos pelos pais, esses, salvo exceções, são o primeiro objeto de relacionamento do homem e por seguinte os primeiros a construir uma identidade ainda em desenvolvimento, num estado, digamos, fetal.
Num segundo momento, o homem sai da realidade exclusiva aos pais e então passa a relacionar-se com o ambiente em que se insere, a partir de então cada outro relacionamento vem a definir em parte o que aquele homem é, de modo que podemos supor que o homem é um cultivo de uma determinada sociedade, podemos ir até mais além, acreditando que cada ser humano carrega em si, como processo dessa construção de identidade, um pedacinho do outro, uma parcela de contribuição inconsciente que é fruto de relacionamentos. O pensamento ideológico dominante que molda o contexto desse ator, também é predominante na sua formação como individuo, por exemplo, o homem moderno carrega consigo toda uma bagagem antropocêntrica talvez inacessível ao homem da idade média, o advento da ciência e a certeza que a terra não é o centro do universo, são de certa forma conceitos indissociáveis de uma identidade moderna.
Ao terceiro momento, certo da sua identidade como um processo único e acabado, esse indivíduo encerra o processo de construção, rejeita qualquer contribuição a mais e desconsidera qualquer outra identidade construída distinta da sua. Para esse encerramento, necessita a este, o romper das relações, que são sempre construtivas, com o outro diferente que ameace sua formação cultural identitária. Buscando-se razões para esse romper, faz-se uso de uma visão etnocêntrica a respeito desse outro ameaçador, e a partir de então se exerce um valor sobre, que na maioria dos casos é depreciativo para justificar a superioridade de determinado grupo cultural. Um pensamento coletivo de superioridade e de inferiorizarão do outro acarreta sérios riscos danosos, pois fomenta motivos e justifica ações de natureza violenta, em outras palavras, essas são de certa forma as mesmas razões que alimentaram a escravidão, a inquisição, entre outros muitos exemplos de intolerância que a história pontua.
O passo inicial para uma proposta de convivência saudável, pauta-se na não interrupção do processo de construção da identidade, de modo que o homem sempre encontre-se inacabado e carente de relacionamentos que o construam, todavia numa etapa adulta o indivíduo desenvolve-se a sujeito da sua vida e não um simples cultivo social, dessa maneira pronto para rejeitar toda cultura que violenta as relações sociais, e abraçar toda cultura que promove vida de qualidade em termos de religião, arte, ideologia, economia... Por fim, colocando sob critério o que virá a ser parte dessa identidade, esse indivíduo também deve atentar-se sobre qual olhar que ele deve lançar sobre as mais diversas manifestações culturais colocadas a seu dispor observatório, pois uma visão que opina a partir de realidades distintas ao nascedouro de determinada cultura, corre o sério risco de desvirtua-se e corroborar numa reprodução de conceitos discriminatórios que partem de experiências isoladas e generalistas.
Portanto o homem é um ser social construído da diversidade das relações, e não há outro modo mais humano de encarar o diferente que não seja apenas como “diferente”, nem melhor nem pior, somente diferente.

Castro Lins

sexta-feira, 6 de maio de 2011

ESCUTAS?





Escutas?

Os templos ruíram sem ruídos,
Perdera Deus agora sua morada?
Onde escondes tua face sagrada?
Por que não atenta a mim teus ouvidos?

Dormir foi meu único pedido,
Acordar contigo o ultimo sonho.
Tanto amo esse Deus que envergonho...
Quisera eu, nunca ter nascido!

Culpa minha do pecado compor
Esse ser que nascer não escolhe?
A cegueira de vê ainda que olhe
O triste viver que queres me impor.

É graça, bom Deus que os seus acolhe
Em afagos tão ternos, embora,
Semeaste esta vida de outrora -
Hoje madura, apressa-te colhe!

Corro para da vida fugir;
A quem com suicídio compare,
Mas é só dor que quero que pare
E não vejo pecado em pedir.

Deus paterno, não ouves quando oro?
A mim concede ter-te de perto!
És pai e se não me escutas por certo
É porque sabe que a morte imploro.


Castro Lins

terça-feira, 3 de maio de 2011

FUNDAMENTAL VERDADE








FUNDAMENTAL VERDADE



A alma é como uma rainha a espera desejosa do seu rei. Diante dela, ao redor do mundo, há incontáveis pretendentes, verdades e mentiras, cujo desejo ultimo é vir a tornar-se objeto do agrado da alma. Todavia na porta de cada coração, que dá acesso intimo a alma, moram os dois maiores e mais poderosos exércitos de proteção do ser humano, a saber: a razão e os sentidos, estes possuem a indelével responsabilidade de reconhecer e ao mesmo tempo deter as mentiras que intentam alojarem-se na alma e trazem ao homem como um todo, danos sem medidas. O corpo necessita do alimento para mantença da vida e a alma se alimenta das verdades que nutrem a vida, dando-a sentido. É como se o corpo responsabilizar-se em fornecer a matéria prima do navio desde a proa ao mastro e a alma, por sua vez, tem em posse a bússola e o mapa que leva ao tesouro desejado, enfim, sem um destino não há porque navegar.


O dever da razão e dos sentidos é sem precedentes iguais, pois se por ventura uma mentira passar por entre tais exércitos, a alma encontrar-se-á desprotegida, vulnerável, prestes a navegar e entregar-se plena a uma mentira. Porém a alma por sua sensibilidade desmedida não foi feita para a inverdade e por certo, diante de uma, a repudiaria. O grande risco, no entanto, procede da mentira que perspicaz se traveste de verdade e conquista a alma com seus encantos hipócritas, a rainha então se apaixona e se curva ao seu rei, até o dia em que toda ilusão, por algum motivo externo, se desfaz e desaparece como a fumaça no ar. Repentinamente a vida pára e já não se sabe para onde navegar, pois o tesouro pereceu e a bússola já não sabe para onde apontar. Cada mentira que invade e depois evade a alma acarreta nela sinais dolorosos de incompatibilidade ou de um parasitismo que a enfraquece e talvez até leve a morte do hospedeiro. Por outro lado, a cada mentira evadida, o tempo é oportuno para a alma se expandir, após a crise, para comportar e recepcionar novas verdades, estas mais dignas de confiança do que as de outrora.

Uma alma ferida é levada reforçar suas defesas, de modo que as verdades são colocadas a prova por testes ainda mais infalíveis pertencentes à lógica e aos sentidos, de forma, quase sempre equivicada, a creditar validade apenas as verdades postas nos conformes da ciência. O medo de vivenciar um novo equívoco, algumas vezes, promove na alma um caráter cético que suspeita e repudia grande parte, ou talvez todas, as verdades colocadas a disposição. Sem dúvida esse é um mecanismo útil de defesa do ser, todavia se esquece que a alma carece de verdades como o corpo carece de alimento e longos períodos de privações adoecem a alma, em termos mais concretos, essa ausência afeta negativamente os relacionamentos pessoais entre pessoas.
A suposição de uma alma desprotegida a mercê de invasões de toda natureza ideológica, é sem fundamentos, pois a mesma dispõe de toda uma lógica, além de um conjunto de regras invariáveis construídas socialmente e que também são parte de uma consciência natural do homem que auxilia no discernir entre o bem e o mal, e ainda, entre o verdadeiro e o falso. Todavia temo em crer, que há algumas exceções que despreparam todas as defesas da alma e por fim enganam os sentidos. Ocorre quando os exércitos de defesa de repente encontram-se incapazes de exercer a menor reação diante da passagem de dois invasores, são estes: o amor e a fé, contra eles não há impedimento.



Tratemos do amor: Nem sequer há necessidade de narrar os inúmeros casos em que o amor sobrepõe a razão, desmerece as regras e seduz os sentidos; ele cativa a alma que se dá sem reservas, e em conseqüência altera a vida cotidiana do individua que por vezes ganha novos rumos, de modo inconsciente o amor manipula os sonhos que, a partir de então, são sempre favoráveis as vontades desse novo amante da alma.

Mesmo usando o termo: "invasor", nem sempre o amor traz malefícios ao seu hospedeiro, na verdade ele é indispensável para um ser humano de natureza relacional. Entretanto, essa abertura na defesa da alma proporciona, por um lado, a oportunidade do amor tão esperado e, por outro, um acesso livre para dezenas de ilusões travestidas de amor. Devo convir que esse é um risco necessário, porém a ilusão tem vida curta e quando ela se vai, como já relatado acima, as dores da desilusão de um amor perdido são indescritíveis. A alma é a matriz da sensibilidade humana e qualquer toque de mentira rasga-a violentamente, roubando dela sua funcionalidade e fazendo-a, a cada mentira, mais insensível.


Tratemos modestamente da fé: esta age em termos semelhantes ao amor. A razão ainda consegue participar da fé, todavia a fé sucede a razão de modo que não é rara a fé que implanta-se na alma, mesmo contrária a uma lógica resistente num primeiro momento. Num segundo momento, a razão, já indefesa diante da tomada da fé, deixa de lado a tentativa de provar a fé em termos de existência, pois para a alma invadida a comprovação é desnecessária diante do fato, e o empenho da razão, a partir de então, decorre na tentativa máxima de explicar de modo a dar sentido à fé em suas manifestações. No que diz respeito aos sentidos, estes perdem algumas de suas funcionalidades perante a fé: Tomé pede para tocar nas chagas das mãos de Jesus após este ressuscitar dos mortos, e as escrituras cristãs esclarecem esse momento com a seguinte frase de Jesus: “Felizes aqueles que não viram e creram”.


Segundo Paul Tillich, “fé como estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente”. Quando algo perpassa pelas portas do coração e toca a alma, esta já não estabelece condições para fé e se curva cativa ao seu rei. Por meio de tal virtude e constatação, as escrituras dizem que ao Senhor Deus ama-se de todo coração, força, entendimento... Pode-se convir que não há barreiras na alma para fé, todavia, a mesma problemática carregada pelo amor, também segue a fé. Do mesmo modo que essa abertura irrestrita da alma deixa-a acessível ao toque de Deus, também a vulnera ao toque de dezenas de ilusões travestidas com a roupagem de Deus. E como a fé consiste incondicionalmente, suas práticas também não respeitam limites de modo que em nome de um “falso deus”, qualquer tipo de perversão e atrocidade também são reflexos de uma fé incondicional. O livre acesso pelas defesas da alma, infelizmente, possibilita a passagem de toda espécie de ilusão reivindicando o trono de deus para a alma.

Partindo da premissa constatada, que diante da fé e do amor boa parte do sistema de defesa da alma encontra-se inerte e quase incapaz de distinguir entre a verdade e a mentira. A pergunta é: O que fazer perante isso? Apostatar da fé e negar o amor? A resposta da segunda pergunta é mais simples: não, afinal a alma necessita do amor em termos relacionais e da fé em termos de sentido a uma existência para manter-se saudável, o desvincular talvez seja mortal para indivíduo. Para primeira pergunta a resposta, se é que existe uma, não é tão simples. Excluindo a opção da apostasia da fé e do amor, logo, ambos precisam permanecer em contato com a alma humana para a manutenção de uma vida saudável, ainda que estes, a fé e o amor, possam ser ilusões que, no entanto, são imprescindíveis a vida. Não digo que o amor e a fé são ilusões, apenas esclareço o risco da ilusão que faz uso do amor e da fé.


O que parece claro nessa questão, é que não há parâmetros lógicos nem sentimentos que assegurem a entrega da alma apenas ao verdadeiro amor, ou garantam a fé voltada somente ao Deus verdadeiro. O que tenho de mais inteligível, ou melhor, apresentável, é a distinção do real e da ilusão que, para essas duas vertentes, pode nascer da experiência pessoal e da observação. Pois numa etapa inicial, a alma é tocada por uma suposta verdade e num momento posterior essa verdade vai ser aperfeiçoada e, a cada dia, tornando-se mais digna de confiança, ou, no entanto, ela vai desvanecer, atrofiar-se perante as pressões reais do cotidiano, deixar-se emboscar pela razão ou pela consciência ética humanizada e se revelar, finalmente, como mentira mascarada de verdade. Todavia, o processo da experiência implica erros recorrentes e, algumas vezes, inevitáveis; Implica também em decepção, no caos que desmorona certezas que levaram anos para serem construídas, desnorteamento, dores entranháveis fruto da perca de algo a que se creditou fé, ou da desilusão do amor que alimentou tantos sonhos. A experiência certamente remete ao sofrimento, mas o que se sustem a após as crises possivelmente é a fundamental VERDADE.
Castro Lins