terça-feira, 3 de maio de 2011

FUNDAMENTAL VERDADE








FUNDAMENTAL VERDADE



A alma é como uma rainha a espera desejosa do seu rei. Diante dela, ao redor do mundo, há incontáveis pretendentes, verdades e mentiras, cujo desejo ultimo é vir a tornar-se objeto do agrado da alma. Todavia na porta de cada coração, que dá acesso intimo a alma, moram os dois maiores e mais poderosos exércitos de proteção do ser humano, a saber: a razão e os sentidos, estes possuem a indelével responsabilidade de reconhecer e ao mesmo tempo deter as mentiras que intentam alojarem-se na alma e trazem ao homem como um todo, danos sem medidas. O corpo necessita do alimento para mantença da vida e a alma se alimenta das verdades que nutrem a vida, dando-a sentido. É como se o corpo responsabilizar-se em fornecer a matéria prima do navio desde a proa ao mastro e a alma, por sua vez, tem em posse a bússola e o mapa que leva ao tesouro desejado, enfim, sem um destino não há porque navegar.


O dever da razão e dos sentidos é sem precedentes iguais, pois se por ventura uma mentira passar por entre tais exércitos, a alma encontrar-se-á desprotegida, vulnerável, prestes a navegar e entregar-se plena a uma mentira. Porém a alma por sua sensibilidade desmedida não foi feita para a inverdade e por certo, diante de uma, a repudiaria. O grande risco, no entanto, procede da mentira que perspicaz se traveste de verdade e conquista a alma com seus encantos hipócritas, a rainha então se apaixona e se curva ao seu rei, até o dia em que toda ilusão, por algum motivo externo, se desfaz e desaparece como a fumaça no ar. Repentinamente a vida pára e já não se sabe para onde navegar, pois o tesouro pereceu e a bússola já não sabe para onde apontar. Cada mentira que invade e depois evade a alma acarreta nela sinais dolorosos de incompatibilidade ou de um parasitismo que a enfraquece e talvez até leve a morte do hospedeiro. Por outro lado, a cada mentira evadida, o tempo é oportuno para a alma se expandir, após a crise, para comportar e recepcionar novas verdades, estas mais dignas de confiança do que as de outrora.

Uma alma ferida é levada reforçar suas defesas, de modo que as verdades são colocadas a prova por testes ainda mais infalíveis pertencentes à lógica e aos sentidos, de forma, quase sempre equivicada, a creditar validade apenas as verdades postas nos conformes da ciência. O medo de vivenciar um novo equívoco, algumas vezes, promove na alma um caráter cético que suspeita e repudia grande parte, ou talvez todas, as verdades colocadas a disposição. Sem dúvida esse é um mecanismo útil de defesa do ser, todavia se esquece que a alma carece de verdades como o corpo carece de alimento e longos períodos de privações adoecem a alma, em termos mais concretos, essa ausência afeta negativamente os relacionamentos pessoais entre pessoas.
A suposição de uma alma desprotegida a mercê de invasões de toda natureza ideológica, é sem fundamentos, pois a mesma dispõe de toda uma lógica, além de um conjunto de regras invariáveis construídas socialmente e que também são parte de uma consciência natural do homem que auxilia no discernir entre o bem e o mal, e ainda, entre o verdadeiro e o falso. Todavia temo em crer, que há algumas exceções que despreparam todas as defesas da alma e por fim enganam os sentidos. Ocorre quando os exércitos de defesa de repente encontram-se incapazes de exercer a menor reação diante da passagem de dois invasores, são estes: o amor e a fé, contra eles não há impedimento.



Tratemos do amor: Nem sequer há necessidade de narrar os inúmeros casos em que o amor sobrepõe a razão, desmerece as regras e seduz os sentidos; ele cativa a alma que se dá sem reservas, e em conseqüência altera a vida cotidiana do individua que por vezes ganha novos rumos, de modo inconsciente o amor manipula os sonhos que, a partir de então, são sempre favoráveis as vontades desse novo amante da alma.

Mesmo usando o termo: "invasor", nem sempre o amor traz malefícios ao seu hospedeiro, na verdade ele é indispensável para um ser humano de natureza relacional. Entretanto, essa abertura na defesa da alma proporciona, por um lado, a oportunidade do amor tão esperado e, por outro, um acesso livre para dezenas de ilusões travestidas de amor. Devo convir que esse é um risco necessário, porém a ilusão tem vida curta e quando ela se vai, como já relatado acima, as dores da desilusão de um amor perdido são indescritíveis. A alma é a matriz da sensibilidade humana e qualquer toque de mentira rasga-a violentamente, roubando dela sua funcionalidade e fazendo-a, a cada mentira, mais insensível.


Tratemos modestamente da fé: esta age em termos semelhantes ao amor. A razão ainda consegue participar da fé, todavia a fé sucede a razão de modo que não é rara a fé que implanta-se na alma, mesmo contrária a uma lógica resistente num primeiro momento. Num segundo momento, a razão, já indefesa diante da tomada da fé, deixa de lado a tentativa de provar a fé em termos de existência, pois para a alma invadida a comprovação é desnecessária diante do fato, e o empenho da razão, a partir de então, decorre na tentativa máxima de explicar de modo a dar sentido à fé em suas manifestações. No que diz respeito aos sentidos, estes perdem algumas de suas funcionalidades perante a fé: Tomé pede para tocar nas chagas das mãos de Jesus após este ressuscitar dos mortos, e as escrituras cristãs esclarecem esse momento com a seguinte frase de Jesus: “Felizes aqueles que não viram e creram”.


Segundo Paul Tillich, “fé como estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente”. Quando algo perpassa pelas portas do coração e toca a alma, esta já não estabelece condições para fé e se curva cativa ao seu rei. Por meio de tal virtude e constatação, as escrituras dizem que ao Senhor Deus ama-se de todo coração, força, entendimento... Pode-se convir que não há barreiras na alma para fé, todavia, a mesma problemática carregada pelo amor, também segue a fé. Do mesmo modo que essa abertura irrestrita da alma deixa-a acessível ao toque de Deus, também a vulnera ao toque de dezenas de ilusões travestidas com a roupagem de Deus. E como a fé consiste incondicionalmente, suas práticas também não respeitam limites de modo que em nome de um “falso deus”, qualquer tipo de perversão e atrocidade também são reflexos de uma fé incondicional. O livre acesso pelas defesas da alma, infelizmente, possibilita a passagem de toda espécie de ilusão reivindicando o trono de deus para a alma.

Partindo da premissa constatada, que diante da fé e do amor boa parte do sistema de defesa da alma encontra-se inerte e quase incapaz de distinguir entre a verdade e a mentira. A pergunta é: O que fazer perante isso? Apostatar da fé e negar o amor? A resposta da segunda pergunta é mais simples: não, afinal a alma necessita do amor em termos relacionais e da fé em termos de sentido a uma existência para manter-se saudável, o desvincular talvez seja mortal para indivíduo. Para primeira pergunta a resposta, se é que existe uma, não é tão simples. Excluindo a opção da apostasia da fé e do amor, logo, ambos precisam permanecer em contato com a alma humana para a manutenção de uma vida saudável, ainda que estes, a fé e o amor, possam ser ilusões que, no entanto, são imprescindíveis a vida. Não digo que o amor e a fé são ilusões, apenas esclareço o risco da ilusão que faz uso do amor e da fé.


O que parece claro nessa questão, é que não há parâmetros lógicos nem sentimentos que assegurem a entrega da alma apenas ao verdadeiro amor, ou garantam a fé voltada somente ao Deus verdadeiro. O que tenho de mais inteligível, ou melhor, apresentável, é a distinção do real e da ilusão que, para essas duas vertentes, pode nascer da experiência pessoal e da observação. Pois numa etapa inicial, a alma é tocada por uma suposta verdade e num momento posterior essa verdade vai ser aperfeiçoada e, a cada dia, tornando-se mais digna de confiança, ou, no entanto, ela vai desvanecer, atrofiar-se perante as pressões reais do cotidiano, deixar-se emboscar pela razão ou pela consciência ética humanizada e se revelar, finalmente, como mentira mascarada de verdade. Todavia, o processo da experiência implica erros recorrentes e, algumas vezes, inevitáveis; Implica também em decepção, no caos que desmorona certezas que levaram anos para serem construídas, desnorteamento, dores entranháveis fruto da perca de algo a que se creditou fé, ou da desilusão do amor que alimentou tantos sonhos. A experiência certamente remete ao sofrimento, mas o que se sustem a após as crises possivelmente é a fundamental VERDADE.
Castro Lins

Nenhum comentário:

Postar um comentário