quinta-feira, 27 de junho de 2013

Anúncios e Denúncias


Anúncios e Denúncias


            Diante do reconhecível pluralismo tão presente nas sociedades, seria difícil definir estritamente qual a missão da Igreja Cristã para o mundo, aliás, se considerarmos as mudanças de paradigma que incorrem na mesma medida do passar dos anos, poderíamos dizer que a missão da igreja muda constantemente. Por outro lado, alguns princípios fundamentais igreja cristã foram reconhecidos desde os tempos de Jesus e, surpreendentemente, continuam imprescindíveis  até os dias atuais, ainda mais diante desse novo momento que insurge em quase toda a totalidade dos estados brasileiros, a saber, o povo finalmente foi a ruas clamar por reformas sociais.   

Poder-se-ia dizer que os brasileiros surpreenderam a história, e com ela todas as previsões sociais, isso, quando enfim o povo trouxe as claras os anos de violação dos seus direitos de cidadania, e exigiu justiça. A voz do povo ecoou em todas as redes televisivas do Brasil, reverberou pelo mundo, despertou um potencial transformador outrora desconhecido por essa geração. Tão de repente e de modo imprevisível surge um novo momento político que assusta, assim como tudo que se desconhece,  no entanto, também acorda esperanças cuja existência nem mesmo suspeitava-se. Um grito que reúne os protestos consonantes dos milhões. Um novo cenário se ergue... o ato passado se fecha e nesse teatro da vida real cabe perguntar, qual o papel da igreja cristã brasileira nesse ínterim? A resposta não é simples, pois há crostas  de séculos que separaram a igreja de seu dever social com a sociedade que a cerca, de modo que essa dívida ganhou proporções, diríamos ironicamente, latifundiárias.

Na verdade abro mão do que acabei de escrever! A resposta é mais simples do que aparenta, pois, logo, qual outro caminho para igreja, senão esse, o da justiça? Que outra bem aventurança há para um seguidor de Jesus Cristo, senão toda aquela que o conduz a vida? Vida sem nenhuma redução proposital do seu significado, esta em todos seus aspectos possíveis, ou seja, saúde, educação, segurança, paz, justiça...? Dissociar o evangelho da realidade social e política seria o mesmo que separar duas palavras de importância central nos evangelhos, a saber: Reino de Deus. As categorias do etéreo todas não preenchem o nome Deus.  Toda conjuntura política e humana de um Estado compõe a palavra Reino. Unidas, tais palavras unem um Estado meramente humano ao desígnio e senhorio de um ser infinito, Deus. É como unir o céu e a terra em duas palavras, ou, melhor nos diz o evangelho: “Faça-se a Sua vontade, assim na terra como no céu...”


A missão da igreja para tais dias de manifestações é, sobre todas as demais, profética... Como nos tempos dos profetas bíblicos, a Palavra de Deus soa e ressoa em tons de denúncia social. Ainda que toda a revolução essencialmente cristã tenha seu nascedouro nas regiões mais profundas do coração humano e, ainda que, as transformações desejadas devam começar dentro de cada um em particular, seria um erro permitir que tais transformações só comecem para não continuar, para logo adiante pararem dentro do homem, ou estacionarem na proteção de quatro paredes de um templo. Que a conversão comece! Mas não apenas comece!  Prossiga pelas ruas do nosso país cantando os anúncios e denúncias do Reino de Deus.  

Castro Lins

terça-feira, 26 de março de 2013

O DEUS DOS MISERÁVEIS



O Deus Dos Miseráveis
por
Castro Lins

"No último julgamento Cristo nos dirá: Vinde, vós também! Vinde, bêbados! Vinde, vacilantes! Vinde, filhos do opróbrio! E dir-nos-á: Seres vis, vós que sois à imagem da besta e trazem a sua marca, vinde porém da mesma forma, vós também! E os sábios e prudentes dirão: Senhor, por que os acolhes? E ele dirá: Se os acolho, homens sábios, se os acolho, homens prudentes, é porque nenhum deles foi jamais julgado digno. E ele estenderá os seus braços, e cairemos a seus pés, e choraremos e soluçaremos, e então compreenderemos tudo, compreenderemos o evangelho da graça! Senhor, venha o teu reino!"

Fyodor Dostoievski, em Crime e Castigo


            Mesmo consciente que sou uma pessoa facilmente impressionável, assistir Os Miseráveis - produção cinematográfica inspirada no famoso livro de Victor Hugo – foi como encontrar-me fora de mim, enquanto deixava-me levar embora pela música. Poucas vezes ao longo da vida permiti esse adentrar sem reservas, com seus adendos tão profundos de canções em minh’alma. Nesta obra o cinema revelou o poder das três maiores forças do mundo: A Palavra, a Imagem e a Canção. Estas criaturas vivas, quando reunidas com maestria, encontram o ser humano em seu todo e movem-se dentro dele, levando-o as regiões mais remotas do sagrado, do soneto misterioso, do fascínio que envolve a vida e tudo que é posto além dela.

                Este clássico adaptado às filmagens pôs- me diante da tristeza, todavia, vi esta em sua face mais bela. Não se admire quando o belo vestir-se de tristeza, pois estas são suas melhores vestes. O mais longe que a beleza se deixou conhecer o fez pelos caminhos da tristeza. Envergonhado chorei perante a dança destes seres suaves, o belo e o triste. O que direi mais, além das confissões de minhas lágrimas? Direi também que nunca me esquecerei de Dreamed A Dream“ há sonhos que não podem ser, tempestades que não podemos prever”. Mas não contente ainda, posso também falar que reconheci neste filme meus próprios conceitos de poesia, dois, a saber: Vi a realidade sem encantos visto que ela é dor e, vi os sonhos mais lindos, estes que só  a realidade do sofrimento pode gestar dentro de si. Em outras palavras, li, vi e ouvi o sofrimento inegável que concretiza o ser da vida, uma descrição fiel da realidade ao meu redor que, magicamente, ao mesmo tempo, misturava-se com os anseios de Deus, os sonhos de revolução, o doar-se último do perdoar, e, finalmente, a boa ventura do amor que não é crível. Contanto me pergunto como podem conviver estes dois mundos tão opostos em uma só história. Posso aceitar tal dança? A vida e a morte como um casal de namorados?

                A pulsão de morte que Freud tanto observou, ora, também a vi ali dramatizada e cantada para mais fundo conhecer-me. A vi em suas trevas com clareza, porém, tão clara quanto a pulsão da vida que se move tão bem tanto em revoluções armadas, quanto em cartas de amor. Agora, outra vez duvido: pode esta pulsão de vida, ensinada por Victor, encarnar-se em algo tão contrário a si tal como o sacrifício? Ora, certamente, eu diria ser ela, a pulsão de vida, a força última para todo o sacrifício. Diria mais, ela é o trabalho que não se deixa impedir pelo desalento que nos fere. E ainda diria ser ela a fé que contempla o céu como se fosse a própria terra e o desfruta antes da sua chegada como se fosse chegado, que transforma seus simples anúncios em realidade, seus anseios em lutas do presente. As revoluções são os sintomas dos adoecidos pelos mais ternos sonhos. O amor é o privilégio daqueles tomados pelo ideal e não pelo real. E a fé, por sua vez, é a força incondicional que move o homem para o ideal e o verá real, um dia, seja nesta vida ou seja nesta morte.

                A fé que não revoluciona, pode ela, estagnada, deparar-se com o amor um dia, ou com o céu acima de nós? Não creio que pode! Assistir Os Miseráveis é examinar onde esse céu foi perdido, ou onde a fé estagnou, ou mais, é perguntar pelo que lutamos hoje, de modo que continuam os miseráveis por onde quer que se queira encontrá-los. Mas - claro que já me fiz essa pergunta - não foram tais revolucionários mortos nessa história? Na dança entre as pulsões da vida e da morte, a vida não passará de um sonho fadado a se esvair ao primeiro despertar da cruenta realidade. E sempre por fim, os miseráveis continuam a comer a migalha que se mistura e se confunde a suas esperanças... O que direi para negar essa triste verdade? Não há cego que não possa vê-la, e nem os loucos negam o sofrimento. Realmente não há o que dizer. Apenas posso, aos miseráveis dessa vida, partilhar a esperança que me resta:
 
           "Um dia ouvi falar do Deus dos miseráveis, este, fora quão maltrapilho quanto qualquer um de nós. Sei que existe por demais inverdades que percorreram os séculos, de forma tal, a falar que Ele era o Deus dos doutos, respeitáveis, puros, burgueses e poderosos desse mundo... No entanto, meus irmãos, não vos deixeis abater com tamanha mentira. Os revolucionários lutam por esse mundo, mas recebem como prêmio um outro, um além da barricada. Felizes sois vós miseráveis, humildes de espírito, vós que choram toda noite a dor que vos é imputada pela vida. Vós sois felizes, pois a vossa fome e a vossa sede é de pão, de água e de justiça sobre a terra e vós sereis fartos! O Deus dos miseráveis vos será misericordioso, pois vós conheceis a miséria do vosso irmão. Bem aventurados sois vós porque lutam pela paz, ainda que lutem, pois a ausência de luta em um mundo de opressão não pode ser chamada de paz. Felizes sois, ainda que mortos na busca pela justiça. Dirão todo mal a vosso respeito, mas, meus irmãos, não desacrediteis da vossa bem- aventurança. Miseráveis, alegrem-se a despeito da vossa tristeza e dor, pois vosso é o Reino dos Céus – assim disse uma vez o Deus dos miseráveis." 
 
 
   Os sonhos sempre serão imprescindíveis, seja para essa vida ou para outra por vir. Um dia virá em que o Deus dos miseráveis, Jesus Cristo, cantará com os seus para seu próprio louvor:
 
Você Ouve As Pessoas Cantarem?


Você ouve o povo cantar?
Cantando a canção dos homens furiosos
Essa é a música de um povo
Que não será escravo novamente


Quando a batida do seu coração
Ecoa na batida dos tambores
Há uma vida prestes a se iniciar
Quando a manhã chegar


Você vai se unir a nossa cruzada?
Você será forte e ficará comigo?
Além da barricada
Há um mundo para se ver por muito tempo?
Então junte-se à luta
E você ganhará o direito de ser livre...
 
 


         
 

sexta-feira, 8 de março de 2013

SALTOS


 

SALTOS
 
Não quero começar com meus já típicos exageros e palavras vagas, no entanto, há de convir que, às vezes, é bom invadir outros mundos. Exagerar é um êxtase necessário. Por isso faço meu esse direito a partir do parágrafo seguinte. Esse direito, o terei até que ele finde, até que a fuga das palavras seja inevitável, até que eu indesviavelmente necessite retornar a minha cruenta realidade, porém, até lá, serei um sonhador como ensinas a ser.

Ó Deus salve os momentos de sonho! O que são estes, senão instantes raros que saltamos de dentro de nós mesmos? Neles transcendemos o real e nos deparamos com tudo que se encontra para além... a saber: Deus em sua dança a três, ou o amor nunca detido as margens do crível, a afeição mais terna, a amizade mais fiel, a dor interrompida, os anseios de perfeição, ou até, e por que não, a eternidade? Os litúrgicos cultos eclesiásticos também se dão, de tal modo, a essa mesma premissa. Ora, a arte, tal qual o oficio sacro, se faz o trampolim que proporciona e propulsiona esses mais belos saltos, se faz o êxtase que nos chama para fora de nós, os portais que separam a terra dos céus! Claro, por certo, alguns trampolins nos mantém mais tempo no ar, saltos longos, curtos, outros tão fortes que nos sentimos voando. Enfim, quero dizer-te que existem diversas formas de saltar em direção as coisas do alto, aquelas que Jesus afirma ser o nosso maior tesouro.

Como não recordaria aqueles saltos melhores, em que nos lançamos juntos e ficamos por horas perto do Alto antes de cair? Realmente, como esquecê-los? Deus seria mesmo pequeno se encontrado tão somente em celebrações e igrejas. Nossas risadas mais sinceras são orações involuntárias. O choro a dois, ou mais, é o louvor suave que inclina o próprio Deus, este desejoso para ouvir seus filhos. Se dois ou mais partem o seu pão e dosam-se de vinho, logo saltam por entre o passado e o por vir, saem de si para comer a mesa com o seu Cristo.

Os bons momentos que se foram... Foram porque ninguém permanece para sempre no ar. Essa é a regra dos trampolins: sempre caímos de volta. Alguns saltos são arriscados demais e dignos de palmas, e quem dera ficar no ar para sempre! Quero agradecer a todos vós que um dia saltaram bem alto comigo, seja no espaço da clausura dos templos, ou nos voos sem escala da poesia, ou ainda nas alegres ceias em bares cariocas. Não obstante, seria tolice discordar que os saltos entre amigos são as mais autênticas celebrações a vida e ao seu Autor, são os reais protestos daqueles que insistem em viver, ser e sorrir apesar das inegáveis dores dessa vida. São lugares seguros onde guardamos nossas esperanças, estas que furtivamente se perdem quando não bem protegidas. Os amigos são os protetores dos sonhos, evitam que estes se apaguem como a fumaça no ar. Ceamos a cada reencontro, e ao abraço mais forte. Bem aventurados sejam os amigos!

Não quero de modo algum incitar um palavreado que pouco se assemelha com a realidade, pois sei do meu inacabamento e, ainda mais, das sombras que carrego... ora, mas não é por isso que saltamos com todas as nossas forças? Saltamos por aspirar voar um dia, e quem sabe não conseguiremos?  Pretendemos a cada salto voltar renovados para pisar o nosso chão com mais firmeza, imbuídos, porém, com a alma dos pássaros. Não quero, com isso, dizer que não nos machucamos. Ora, da mesma forma que saltamos também caímos e, às vezes, fora do trampolim. O homem alimenta esperanças que nunca deveriam ser gestadas e, tão logo, chega a parada mais inevitável na estrada vida, a saber: a decepção. E se não fosse assim, também não seria a vida, não seria esse mundo, pois, não há como escapar do risco do tombo e também do medo do salto, ou dos infortúnios machucados tratados a mertiolate. Todavia, por isso não saltaremos? Abriremos mão dessa maravilhosa sensação? De modo algum! A despeito de tudo, saltaremos... Até que Deus faça de nós pássaros que saibam voar para ele.

 

Castro Lins

 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Anabelle...


Anabelle

O Mar da Anabelle
Ao seu toque primeiro,
É frio sobre a pele
Desse pobre marinheiro.

 O Mar da Anabelle
É mar forte tão bravio,
Para horizontes ou navios,
Por seus redemoinhos
Só navegam pedalinhos.

 O Mar da Anabelle
Tem o tom
Dos mais doces anos,
Suas ondas
Tem o som
E as cores d’oceano.

 O Mar da Anabelle
São duas lagoas redondas,
Quando choram
Fazem ondas,
Quando amam
Seus olhares
Brilham o verde...
O verde dos mares.         

 Castro Lins

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

PARECER TEOLÓGICO

O que diremos, pois, diante do Sofrimento?


 Ainda que consideremos em inteireza o mundo pós- modernos com tudo que nele cabe, que mente será furtiva o bastante para escapar do “Pensamento Deus”, quando diante do sofrimento humano? As mazelas sociais são hoje explicáveis em termos sociológicos, e os desastres naturais são largamente estudados nesses dias de suposta consciência ambiental, contudo, o mais primevo “Pensamento Deus” continua a renascer a cada terrível onda que se levante dos mares pronta para varrer a terra, a cada temor do homem e tremor do chão, a cada vento intempestivo, enfim, a cada doença, ou a cada sinal vívido da morte. Não importa o nome do algoz, ou o quanto avançamos em ciência, o “Pensamento Deus” ainda é inegável. Posta essa certeza, a partir dela surge outra questão elementar para os que creem Deus, a saber: há interferência divina no que diz respeito as tais desastres naturais?

                             O que dizer diante de milhares de mortos levados pela fúria das águas, crianças, velhos, cristãos, ateus, bruxos, bons, mulçumanos, astrólogos, pobres, maus e mulheres? Proclamaremos, então, a interferência de Deus nesse processo? Claro que não, a menos que O confessemos como um sádico, pois o simples fato da ocorrência de tais desastres já nos diz que Deus não interferiu para evitá-los. Ou Deus não interfere, ou Deus é a causa de tais desastres danosos, esta é a opção que resta se desejarmos considerar uma interferência divina. Ou diremos que ele puniu os pecadores? Supondo uma resposta afirmativa, poderíamos até encontrar respaldo velho- testamentário que, porém, nada se aproxima com o principio do amor o qual Jesus sobrepôs a toda boa teologia cristã, e ainda, seria impossível conceber que a misericórdia de Deus não tenha alcançado nem sequer uma entre as tantas crianças, talvez cristãs, agonizantes enquanto se afogam. A busca por respaldos bíblicos pode confundir ainda mais o tema, afinal de contas há de se convir que, sem muitas dificuldades, poderíamos constatar um parecer teológico distinto para cada livro da bíblia, o que nos colocaria inutilmente diante de diversas supostas verdades bíblicas. O que diremos mais então? Diremos que Deus é fraco, incapaz de intervir, ou pior, senhorio relapso? Descartamos tão logo essas palavras, não por serem falsas ou verdadeiras, mas porque de nada servem para nossas almas, enquanto estas sedentas por proteção, cuidado e amor.
 
                                          Perante a opção do sadismo divino, convenhamos na escolha da não interferência divina perante os desastres naturais, compreendendo como desastres naturais aqueles cuja ação do homem é mínima, o invés, por exemplo, seria construir casas a beira de um vulcão, ou em áreas mananciais. A causa desse tipo de calamidade facilmente é atribuída injustamente a Deus, principalmente quando sob a intenção de alienar, ou seja, mascarar as verdadeiras causas sócio – econômicas que fazem do homem o principal, senão o único, responsável no que se refere a esse tipo de acontecimento. Todavia ninguém pode negar que existem fatalidades, ou melhor, calamidades naturais cuja ação do homem é irrisória. Os tsunamis e terremotos são exemplos quase inteiramente incontestáveis. No que diz respeito a tais desastres, não há o menor controle ou a menor interferência causadora nem da parte de Deus, nem da parte dos homens. São males que, diria o Eclesiastes bíblico, sobreveem sobre todos, justos ou injustos. Males que correm as cegas sobre os homens.
 
Por outro lado, se descartamos a fraqueza de Deus e também o seu prazer no sofrimento e, além disso, conclamamos que Deus não interfere, por conseguinte outra pergunta é inevitável: mas por que não o faz, não interfere por quê? Ora, por certo não cremos em um Deus sádico, porém se seu desejo fosse que não experimentássemos o sofrimento, melhor seria não ter soprado a vida em nossas narinas, isto é, melhor seria não nascer, pois desde início da vida somos concebidos nas dores de nossas mães, como se esse fosse um mero anúncio do que está por vir. Como disse Viktor Frankl: “a vida é sofrimento, sobreviver é encontrar sentido para dor.” Os desastres naturais nada mais são do que nuances de uma criação que geme, uma criação cujo elemento fundante é o sofrimento, ou em outras palavras não menos alegóricas, a matéria prima do mundo é a dor, logo, se somos feitos por Deus para esse mundo, somos feitos para sofrer. Como disse certo evangelho certa vez: “nem mesmo o Filho do homem (Jesus) veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10:45). Esse pressuposto, claro, não se atém a constância ininterrupta desse sofrer, mas apenas quem é incapaz de constatar o sofrimento, em termos empíricos, pode negá-lo. Enfim, Deus não interfere porque o sofrimento é parte fundamental da vida, ou do mundo criado por Deus, e o único modo de realizar sua interferência seria negando a nós esse dom da vida, o que não o fez. Mas não encerramos por aqui, continuemos:
 
 
    E como encontrar significado para oração e para os milagres dentro desse quadro proposto? As orações se explicam de duas formas: por um lado substanciam uma real relação, imprescindível, entre o homem e o ser eterno, este que move suas esperanças concretas inclusas no seu tempo de vida, e também suas esperanças abstratas postas nos anseios do além - vida. Por outro lado as orações seriam inúteis, pois a observação realista da vida nos diz que a movimentação do mundo, com tudo que nele cabe, é indiferente aos nossos pedidos, se assim não fora teríamos um mundo que é resultado das nossas orações. E ainda, como atender a dois cristãos que fazem pedidos opostos, cuja realização de um depende da irrealização do outro? As interferências de Deus a favor de um indivíduo, enquanto a sua indiferença a no que se refere a outro, indicaria um exclusivismo impiedoso de Deus, semelhante à xenofobia, ou um total descaso com o homem, este, seu provável objeto de amor. Ao conceber um Deus assim, deveríamos também excluir de nossas vidas o conceito de graça, já que existem merecedores e imerecedores do cuidado de Deus. Inexplicável seria também o incontestável sofrimento do fiel a Deus, especialmente quando este ora e suplica o cessar da situação indesejada. Mas a oração não é por toda inútil, além do alento que desce dos céus, ela se justifica a partir da existência dos milagres, estes que não deixam de ser felizes exceções à regra. Traçamos para a vida um continuum de sofrimento indiferente as nossas orações, porém com raras exceções que por vezes sujeitam-se à oração, a estas chamamos de milagres. Todavia essa assumida interferência divina não possui como causa última o cessar do sofrer humano, pois tomando como exemplo as curas de Jesus, estas não evitavam que, em dias depois, as enfermidades retornassem aos frágeis corpos outrora curados. Nos relatos bíblicos Lázaro ressuscitou, mas isso não significa que ele viveu eternamente aqui na terra, em um segundo momento, ele necessariamente experimentou a morte pela segunda vez. Mera procrastinação. O que diremos, pois, o milagre é um simples paliativo para a morte, ou para o sofrimento? Não. Recorrendo aos evangelhos para compreender os milagres, insistimos nestes como sinais que apontam para planos superiores de Deus, os homens, nesses casos excepcionais, são apenas meios para que seja manifesta a glória de Deus ou a sua vontade. Isto é: não importa quem pecou, quem orou ou quem deixou de pecar, em outras palavras, o indivíduo em si, sua fé, pecados, bondade, seu sofrimento, nacionalidade ou religião, esses são fatores indiferentes e incapazes de desencadear milagres. Por fim os milagres são interferências de Deus, raras, porém feitas por ele e para ele. (João 9:3)
 
                            Já sabemos que Deus não interfere, exceto em raros momentos. Sabemos que o sofrimento é inevitável, inerente a todo aquele que ousou existir. Os desastres naturais veem sem causas conscientes, movidos por leis naturais que são causas primeiras e não interrupções dos processos. Por fim, uma ultima questão, o que leva Deus a plantar- nos em um mundo cujo sofrimento é indesviável? Talvez seja tolice essa tentativa de perscrutar a mente de Deus, contanto, quem há de negar que sem as hipóteses beiramos ao esvaziamento dos significados, estes tão uteis para o viver? Portanto permitam-nos supor, ou teologizar, mais uma vez: Não seria o sofrimento o estágio decisivo, isto é, os portões que precedem a virtude para uns e, para outros, a perdição? Podemos festejar a ressurreição sem antes chorar a morte? Por certo não. O sofrimento é o embrião do mártir, mas também é o germe do carrasco. O sofrimento é o inferno na terra, todavia também é o pontífice para a salvação. Para um consciente desvio do masoquismo, temos que compreender tais palavras como significação para o sofrimento. Nenhum cristão nega a necessidade de um sacrifício para a nossa salvação, e o que é um sacrifício mais do que um sofrimento resignificado? Resignifica- se a cruz, um objeto de tortura e morte, para encontrar, naquele que sofreu nela, o caminho para à eternidade cujo sofrimento é inexistente. A vida é sofrimento, mas viver seria sem propósito se o sofrimento não nos levar a algo maior do que ele. Ora, a vida não pode se encerrar nele, ao invés, a vida real começa muito além da vida de sofreres, poderíamos mesmo dizer: Para além do sofrimento, a vida. Todavia essa é uma simples tentativa de compreensão. O que temos a dizer é que Deus tem seus desígnios para o sofrimento, para os desastres naturais. Deus tem suas razões sobre as quais, na sua maioria, desconhecemos. Fato é que ele não interfere, embora seu consolo e presença, inegável nesses momentos, sejam mais relevantes do que qualquer interferência. De igual modo, não adianta muito explicar o sofrimento, quando somos insensíveis a ele, quando não sabemos silenciar e sofrer junto ao outro. O consolo, enfim, trás com ele tudo que precisamos saber sobre sofrimento. Seu poder é pungente e tão forte que falam dele como o próprio espírito de Deus ali presente ao lado do que sofre. Deram-lhe até nome, a saber: Consolador. O Que diremos, pois, a vista do sofrimento? Nada que possamos dizer irá evitá-lo. Resta-nos dar-lhe sentido e esperar a salvação. Diante dele, Deus nos confere o consolador. Mais útil, porém, é se calar.
                      Castro Lins

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CONCESSÃO – Prosa, embora Poesia

 
CONCESSÃO – Prosa, embora Poesia

 
                 Nunca fui excelente no uso das palavras, aliás, por muitas vezes fui rude e ignorante a dispor da amada Língua Portuguesa, não nego. Se bem que se eu pudesse ir ter com a gramática para definir a vida, eu bem logo sentenciaria: Orações Subordinadas Adverbiais Concessivas. A mais simples gramática nos recorda: “As orações subordinadas adverbiais concessivas são aquelas que admitem uma contradição ou um fato inesperado. A ideia de concessão está diretamente ligada ao contraste, à quebra de expectativa.“
             Nada definirá a vida melhor do que expectativas em quebra e contradições admitidas, porque todo “porque” um dia mentiu. A vida se escreve com “conquanto”, muitos “apesar de” e tantos outros “embora”. Pois que seja a vida essa prosa, posto que seja também poesia: Eu amo com o ímpeto de todas as minhas forças, embora o amor seja a mais frágil das efemeridades. Eu amo como o louco que desdenha o sofrimento que lhe espera, ainda que o amor seja a mais bela das ilusões, eficaz somente porque engana os olhos e pinta de esperança a crueza vil desse viver. Eu amo com amor que desconhece reservas, tão forte que beira o pecar pela idolatria, apesar de saber que a morte virá impiedosa e tomará para si tudo aquilo que ousei amar, apesar de não crer em inteireza nesse que nada é mais do que o ausente milagre, que nada é mais do que o divino alento feito palavra, e nada mais é do que o amor. Conquanto eu amo!
           Eu insito na vida, ressuscito a cada erguer da cama, madrugo para que o dia não me encontre a dormir. Transpiro como aquele que trabalha o ferro por também desejar uma família, filhos e uma casa de férias, apesar da vida não merecer a mais impura gota do meu suor, mesmo que seja melhor dormir do que acordar. Conquanto, não vi em vida túmulo melhor que a minha cama. Apesar de me ter perdido desde que nasci, de me ter perdido logo assim que pus os pés no “sem sentido do viver”. Ora, eu vivo como quem sabe aonde ir, embora o que sei é que a vida é uma errância enfadonha. Vivo! Conquanto só reste a loucura que enxerga ordem, quando até as crianças percebem o caos e ecoam sua inocência: “ai quem dera nunca... felizes aqueles que nunca conheceram a vida!” Conquanto eu vivo!
           Eu sou alegre e otimista, ainda que a miséria comece em mim e se espalhe a todo redor por onde há existência. Sou feliz, mesmo que eu tenha olhos somente para ver e tão logo usá-los para chorar. Sou mais que feliz e nascido para isso, ainda que o sofrimento esteja plantado em todo solo desse mundo. Cultivo risadas, embora em terra seca e infértil. Pobres sorrisos nascem sem vigor e logo murcham como crianças desnutridas. Conquanto sou feliz!
           Eu creio em Deus desde a matéria desconhecida que compõe a minh’alma, creio como aquele que foi transladado de si mesmo e hoje é posse do eterno. Possuo a veemência da fé que me toma como a uma criança que não escolhe para onde ir... Embora o sofrimento seguido da angústia grite desmedido a nossa orfandade, e quem há de pedir-lhe um minuto de silêncio? Eu creio na existência de Deus, ainda que os seus porta - vozes façam dessa existência a mais indesejável entre todas ou, senão, a menos confiável. Eu creio... Eu creio sem porquês. Creio com concessão. Creio com o enorme contraste entre Deus e a vida que ele nos deu, ou dá, ou permite. Eu creio e amo a despeito de mim, e apesar de mim amanhã há de ser outro dia. Eu tenho fé em Deus, mesmo quando escuto à noite o choro pueril dos meninos de rua. Amo, embora não entenda ou muito menos explique o ser amado. Eu oro, mesmo que a vida seja indiferente a minhas devotadas palavras. Eu oro, embora a vida seja sempre a mesma de sempre, e mesmo que Deus não tenha voltado, ou notado o choro. Eu oro! Oro orações subordinadas adverbiais concessivas, conquanto, como se nada fosse mais certo, eu creio!
           Essa antiga canção, melhor do que a gramática, define a vida com a leveza sonora dos mais calmos ventos: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimentos; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha Salvação...” Livro de Habacuque.                 
                                                       Castro Lins

segunda-feira, 28 de maio de 2012

NÃO SEI DIZER TEU NOME EM VÃO



NÃO SEI DIZER TEU NOME EM VÃO


            Eu não saberia dizer Teu nome em vão. Primeiro, eu não poderia dizer Teu nome, quando tudo a dispor ou a devir não designa em inteireza o que Tu és. Oh Deus, sei que se alguma palavra pudesse Te conter, eu não a ousaria pronunciar com os lábios meus... a menos que minha alma soubesse cantar a gratidão em seus doces acordes, a menos que minha alma já houvesse despertado ao revés do amor, não antes do meu coração arder ao som da primeira sílaba desse nome, não enquanto ainda sou virgem ao toque macio da fé que arrebata com tamanha suavidade. Todavia, se porventura um nome pudesse desanuviar Tua eternidade, como não dizê-lo em vão? Ora, se Teu nome apenas expõe à frivolidade toda existência, vã é a tentativa de não dizê-lo em vão.

            A despeito da vida por demais efêmera, insisto que não saberia dizer Teu nome em vão. Pois a alma grata não sabe medidas ou valores.  Ela é feita sensível a menor dádiva Tua. O simples relance de vida a alegra, como a uma criança risonha. Tola, entrega-se sem pudor ao mais ingênuo dos presentes só para assegurar-se que nada, nem o sorriso mais inútil, seja vão.  Se despertares a gratidão, desnecessárias serão as datas especiais, pois, bem logo, toda a vida intuirá o milagre do Teu bem querer. Se de feito agradecidos, por certo, fazes cada momento fugaz digno do Teu nome impronunciável.

Deus, as nossas forças não são próprias, e nossos sonhos sempre foram de Tua composição, portanto ou por muito menos, cada fibra do nosso corpo bem diz ao Teu nome e, finalmente, não saberíamos dizer em vão o Teu nome, pois, de modo excelente, essa incontida gratidão declara incisivamente aos céus: Nada foi em vão.

 Te agradecemos Deus –

                         

  Castro Lins