segunda-feira, 12 de novembro de 2012

PARECER TEOLÓGICO

O que diremos, pois, diante do Sofrimento?


 Ainda que consideremos em inteireza o mundo pós- modernos com tudo que nele cabe, que mente será furtiva o bastante para escapar do “Pensamento Deus”, quando diante do sofrimento humano? As mazelas sociais são hoje explicáveis em termos sociológicos, e os desastres naturais são largamente estudados nesses dias de suposta consciência ambiental, contudo, o mais primevo “Pensamento Deus” continua a renascer a cada terrível onda que se levante dos mares pronta para varrer a terra, a cada temor do homem e tremor do chão, a cada vento intempestivo, enfim, a cada doença, ou a cada sinal vívido da morte. Não importa o nome do algoz, ou o quanto avançamos em ciência, o “Pensamento Deus” ainda é inegável. Posta essa certeza, a partir dela surge outra questão elementar para os que creem Deus, a saber: há interferência divina no que diz respeito as tais desastres naturais?

                             O que dizer diante de milhares de mortos levados pela fúria das águas, crianças, velhos, cristãos, ateus, bruxos, bons, mulçumanos, astrólogos, pobres, maus e mulheres? Proclamaremos, então, a interferência de Deus nesse processo? Claro que não, a menos que O confessemos como um sádico, pois o simples fato da ocorrência de tais desastres já nos diz que Deus não interferiu para evitá-los. Ou Deus não interfere, ou Deus é a causa de tais desastres danosos, esta é a opção que resta se desejarmos considerar uma interferência divina. Ou diremos que ele puniu os pecadores? Supondo uma resposta afirmativa, poderíamos até encontrar respaldo velho- testamentário que, porém, nada se aproxima com o principio do amor o qual Jesus sobrepôs a toda boa teologia cristã, e ainda, seria impossível conceber que a misericórdia de Deus não tenha alcançado nem sequer uma entre as tantas crianças, talvez cristãs, agonizantes enquanto se afogam. A busca por respaldos bíblicos pode confundir ainda mais o tema, afinal de contas há de se convir que, sem muitas dificuldades, poderíamos constatar um parecer teológico distinto para cada livro da bíblia, o que nos colocaria inutilmente diante de diversas supostas verdades bíblicas. O que diremos mais então? Diremos que Deus é fraco, incapaz de intervir, ou pior, senhorio relapso? Descartamos tão logo essas palavras, não por serem falsas ou verdadeiras, mas porque de nada servem para nossas almas, enquanto estas sedentas por proteção, cuidado e amor.
 
                                          Perante a opção do sadismo divino, convenhamos na escolha da não interferência divina perante os desastres naturais, compreendendo como desastres naturais aqueles cuja ação do homem é mínima, o invés, por exemplo, seria construir casas a beira de um vulcão, ou em áreas mananciais. A causa desse tipo de calamidade facilmente é atribuída injustamente a Deus, principalmente quando sob a intenção de alienar, ou seja, mascarar as verdadeiras causas sócio – econômicas que fazem do homem o principal, senão o único, responsável no que se refere a esse tipo de acontecimento. Todavia ninguém pode negar que existem fatalidades, ou melhor, calamidades naturais cuja ação do homem é irrisória. Os tsunamis e terremotos são exemplos quase inteiramente incontestáveis. No que diz respeito a tais desastres, não há o menor controle ou a menor interferência causadora nem da parte de Deus, nem da parte dos homens. São males que, diria o Eclesiastes bíblico, sobreveem sobre todos, justos ou injustos. Males que correm as cegas sobre os homens.
 
Por outro lado, se descartamos a fraqueza de Deus e também o seu prazer no sofrimento e, além disso, conclamamos que Deus não interfere, por conseguinte outra pergunta é inevitável: mas por que não o faz, não interfere por quê? Ora, por certo não cremos em um Deus sádico, porém se seu desejo fosse que não experimentássemos o sofrimento, melhor seria não ter soprado a vida em nossas narinas, isto é, melhor seria não nascer, pois desde início da vida somos concebidos nas dores de nossas mães, como se esse fosse um mero anúncio do que está por vir. Como disse Viktor Frankl: “a vida é sofrimento, sobreviver é encontrar sentido para dor.” Os desastres naturais nada mais são do que nuances de uma criação que geme, uma criação cujo elemento fundante é o sofrimento, ou em outras palavras não menos alegóricas, a matéria prima do mundo é a dor, logo, se somos feitos por Deus para esse mundo, somos feitos para sofrer. Como disse certo evangelho certa vez: “nem mesmo o Filho do homem (Jesus) veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10:45). Esse pressuposto, claro, não se atém a constância ininterrupta desse sofrer, mas apenas quem é incapaz de constatar o sofrimento, em termos empíricos, pode negá-lo. Enfim, Deus não interfere porque o sofrimento é parte fundamental da vida, ou do mundo criado por Deus, e o único modo de realizar sua interferência seria negando a nós esse dom da vida, o que não o fez. Mas não encerramos por aqui, continuemos:
 
 
    E como encontrar significado para oração e para os milagres dentro desse quadro proposto? As orações se explicam de duas formas: por um lado substanciam uma real relação, imprescindível, entre o homem e o ser eterno, este que move suas esperanças concretas inclusas no seu tempo de vida, e também suas esperanças abstratas postas nos anseios do além - vida. Por outro lado as orações seriam inúteis, pois a observação realista da vida nos diz que a movimentação do mundo, com tudo que nele cabe, é indiferente aos nossos pedidos, se assim não fora teríamos um mundo que é resultado das nossas orações. E ainda, como atender a dois cristãos que fazem pedidos opostos, cuja realização de um depende da irrealização do outro? As interferências de Deus a favor de um indivíduo, enquanto a sua indiferença a no que se refere a outro, indicaria um exclusivismo impiedoso de Deus, semelhante à xenofobia, ou um total descaso com o homem, este, seu provável objeto de amor. Ao conceber um Deus assim, deveríamos também excluir de nossas vidas o conceito de graça, já que existem merecedores e imerecedores do cuidado de Deus. Inexplicável seria também o incontestável sofrimento do fiel a Deus, especialmente quando este ora e suplica o cessar da situação indesejada. Mas a oração não é por toda inútil, além do alento que desce dos céus, ela se justifica a partir da existência dos milagres, estes que não deixam de ser felizes exceções à regra. Traçamos para a vida um continuum de sofrimento indiferente as nossas orações, porém com raras exceções que por vezes sujeitam-se à oração, a estas chamamos de milagres. Todavia essa assumida interferência divina não possui como causa última o cessar do sofrer humano, pois tomando como exemplo as curas de Jesus, estas não evitavam que, em dias depois, as enfermidades retornassem aos frágeis corpos outrora curados. Nos relatos bíblicos Lázaro ressuscitou, mas isso não significa que ele viveu eternamente aqui na terra, em um segundo momento, ele necessariamente experimentou a morte pela segunda vez. Mera procrastinação. O que diremos, pois, o milagre é um simples paliativo para a morte, ou para o sofrimento? Não. Recorrendo aos evangelhos para compreender os milagres, insistimos nestes como sinais que apontam para planos superiores de Deus, os homens, nesses casos excepcionais, são apenas meios para que seja manifesta a glória de Deus ou a sua vontade. Isto é: não importa quem pecou, quem orou ou quem deixou de pecar, em outras palavras, o indivíduo em si, sua fé, pecados, bondade, seu sofrimento, nacionalidade ou religião, esses são fatores indiferentes e incapazes de desencadear milagres. Por fim os milagres são interferências de Deus, raras, porém feitas por ele e para ele. (João 9:3)
 
                            Já sabemos que Deus não interfere, exceto em raros momentos. Sabemos que o sofrimento é inevitável, inerente a todo aquele que ousou existir. Os desastres naturais veem sem causas conscientes, movidos por leis naturais que são causas primeiras e não interrupções dos processos. Por fim, uma ultima questão, o que leva Deus a plantar- nos em um mundo cujo sofrimento é indesviável? Talvez seja tolice essa tentativa de perscrutar a mente de Deus, contanto, quem há de negar que sem as hipóteses beiramos ao esvaziamento dos significados, estes tão uteis para o viver? Portanto permitam-nos supor, ou teologizar, mais uma vez: Não seria o sofrimento o estágio decisivo, isto é, os portões que precedem a virtude para uns e, para outros, a perdição? Podemos festejar a ressurreição sem antes chorar a morte? Por certo não. O sofrimento é o embrião do mártir, mas também é o germe do carrasco. O sofrimento é o inferno na terra, todavia também é o pontífice para a salvação. Para um consciente desvio do masoquismo, temos que compreender tais palavras como significação para o sofrimento. Nenhum cristão nega a necessidade de um sacrifício para a nossa salvação, e o que é um sacrifício mais do que um sofrimento resignificado? Resignifica- se a cruz, um objeto de tortura e morte, para encontrar, naquele que sofreu nela, o caminho para à eternidade cujo sofrimento é inexistente. A vida é sofrimento, mas viver seria sem propósito se o sofrimento não nos levar a algo maior do que ele. Ora, a vida não pode se encerrar nele, ao invés, a vida real começa muito além da vida de sofreres, poderíamos mesmo dizer: Para além do sofrimento, a vida. Todavia essa é uma simples tentativa de compreensão. O que temos a dizer é que Deus tem seus desígnios para o sofrimento, para os desastres naturais. Deus tem suas razões sobre as quais, na sua maioria, desconhecemos. Fato é que ele não interfere, embora seu consolo e presença, inegável nesses momentos, sejam mais relevantes do que qualquer interferência. De igual modo, não adianta muito explicar o sofrimento, quando somos insensíveis a ele, quando não sabemos silenciar e sofrer junto ao outro. O consolo, enfim, trás com ele tudo que precisamos saber sobre sofrimento. Seu poder é pungente e tão forte que falam dele como o próprio espírito de Deus ali presente ao lado do que sofre. Deram-lhe até nome, a saber: Consolador. O Que diremos, pois, a vista do sofrimento? Nada que possamos dizer irá evitá-lo. Resta-nos dar-lhe sentido e esperar a salvação. Diante dele, Deus nos confere o consolador. Mais útil, porém, é se calar.
                      Castro Lins

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CONCESSÃO – Prosa, embora Poesia

 
CONCESSÃO – Prosa, embora Poesia

 
                 Nunca fui excelente no uso das palavras, aliás, por muitas vezes fui rude e ignorante a dispor da amada Língua Portuguesa, não nego. Se bem que se eu pudesse ir ter com a gramática para definir a vida, eu bem logo sentenciaria: Orações Subordinadas Adverbiais Concessivas. A mais simples gramática nos recorda: “As orações subordinadas adverbiais concessivas são aquelas que admitem uma contradição ou um fato inesperado. A ideia de concessão está diretamente ligada ao contraste, à quebra de expectativa.“
             Nada definirá a vida melhor do que expectativas em quebra e contradições admitidas, porque todo “porque” um dia mentiu. A vida se escreve com “conquanto”, muitos “apesar de” e tantos outros “embora”. Pois que seja a vida essa prosa, posto que seja também poesia: Eu amo com o ímpeto de todas as minhas forças, embora o amor seja a mais frágil das efemeridades. Eu amo como o louco que desdenha o sofrimento que lhe espera, ainda que o amor seja a mais bela das ilusões, eficaz somente porque engana os olhos e pinta de esperança a crueza vil desse viver. Eu amo com amor que desconhece reservas, tão forte que beira o pecar pela idolatria, apesar de saber que a morte virá impiedosa e tomará para si tudo aquilo que ousei amar, apesar de não crer em inteireza nesse que nada é mais do que o ausente milagre, que nada é mais do que o divino alento feito palavra, e nada mais é do que o amor. Conquanto eu amo!
           Eu insito na vida, ressuscito a cada erguer da cama, madrugo para que o dia não me encontre a dormir. Transpiro como aquele que trabalha o ferro por também desejar uma família, filhos e uma casa de férias, apesar da vida não merecer a mais impura gota do meu suor, mesmo que seja melhor dormir do que acordar. Conquanto, não vi em vida túmulo melhor que a minha cama. Apesar de me ter perdido desde que nasci, de me ter perdido logo assim que pus os pés no “sem sentido do viver”. Ora, eu vivo como quem sabe aonde ir, embora o que sei é que a vida é uma errância enfadonha. Vivo! Conquanto só reste a loucura que enxerga ordem, quando até as crianças percebem o caos e ecoam sua inocência: “ai quem dera nunca... felizes aqueles que nunca conheceram a vida!” Conquanto eu vivo!
           Eu sou alegre e otimista, ainda que a miséria comece em mim e se espalhe a todo redor por onde há existência. Sou feliz, mesmo que eu tenha olhos somente para ver e tão logo usá-los para chorar. Sou mais que feliz e nascido para isso, ainda que o sofrimento esteja plantado em todo solo desse mundo. Cultivo risadas, embora em terra seca e infértil. Pobres sorrisos nascem sem vigor e logo murcham como crianças desnutridas. Conquanto sou feliz!
           Eu creio em Deus desde a matéria desconhecida que compõe a minh’alma, creio como aquele que foi transladado de si mesmo e hoje é posse do eterno. Possuo a veemência da fé que me toma como a uma criança que não escolhe para onde ir... Embora o sofrimento seguido da angústia grite desmedido a nossa orfandade, e quem há de pedir-lhe um minuto de silêncio? Eu creio na existência de Deus, ainda que os seus porta - vozes façam dessa existência a mais indesejável entre todas ou, senão, a menos confiável. Eu creio... Eu creio sem porquês. Creio com concessão. Creio com o enorme contraste entre Deus e a vida que ele nos deu, ou dá, ou permite. Eu creio e amo a despeito de mim, e apesar de mim amanhã há de ser outro dia. Eu tenho fé em Deus, mesmo quando escuto à noite o choro pueril dos meninos de rua. Amo, embora não entenda ou muito menos explique o ser amado. Eu oro, mesmo que a vida seja indiferente a minhas devotadas palavras. Eu oro, embora a vida seja sempre a mesma de sempre, e mesmo que Deus não tenha voltado, ou notado o choro. Eu oro! Oro orações subordinadas adverbiais concessivas, conquanto, como se nada fosse mais certo, eu creio!
           Essa antiga canção, melhor do que a gramática, define a vida com a leveza sonora dos mais calmos ventos: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimentos; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha Salvação...” Livro de Habacuque.                 
                                                       Castro Lins

segunda-feira, 28 de maio de 2012

NÃO SEI DIZER TEU NOME EM VÃO



NÃO SEI DIZER TEU NOME EM VÃO


            Eu não saberia dizer Teu nome em vão. Primeiro, eu não poderia dizer Teu nome, quando tudo a dispor ou a devir não designa em inteireza o que Tu és. Oh Deus, sei que se alguma palavra pudesse Te conter, eu não a ousaria pronunciar com os lábios meus... a menos que minha alma soubesse cantar a gratidão em seus doces acordes, a menos que minha alma já houvesse despertado ao revés do amor, não antes do meu coração arder ao som da primeira sílaba desse nome, não enquanto ainda sou virgem ao toque macio da fé que arrebata com tamanha suavidade. Todavia, se porventura um nome pudesse desanuviar Tua eternidade, como não dizê-lo em vão? Ora, se Teu nome apenas expõe à frivolidade toda existência, vã é a tentativa de não dizê-lo em vão.

            A despeito da vida por demais efêmera, insisto que não saberia dizer Teu nome em vão. Pois a alma grata não sabe medidas ou valores.  Ela é feita sensível a menor dádiva Tua. O simples relance de vida a alegra, como a uma criança risonha. Tola, entrega-se sem pudor ao mais ingênuo dos presentes só para assegurar-se que nada, nem o sorriso mais inútil, seja vão.  Se despertares a gratidão, desnecessárias serão as datas especiais, pois, bem logo, toda a vida intuirá o milagre do Teu bem querer. Se de feito agradecidos, por certo, fazes cada momento fugaz digno do Teu nome impronunciável.

Deus, as nossas forças não são próprias, e nossos sonhos sempre foram de Tua composição, portanto ou por muito menos, cada fibra do nosso corpo bem diz ao Teu nome e, finalmente, não saberíamos dizer em vão o Teu nome, pois, de modo excelente, essa incontida gratidão declara incisivamente aos céus: Nada foi em vão.

 Te agradecemos Deus –

                         

  Castro Lins


quarta-feira, 9 de maio de 2012

EXISTE PARA INCOMODAR

Existe para incomodar

                      No Antigo Testamento bíblico a figura do profeta hebreu é sempre incômoda para manutenção da sociedade, aliás, sua função não é outra senão ruir estruturas socialmente construídas. No AT, a força que o profeta faz uso para negar a sociedade é, ironicamente, a mesma força que a formou e legitimou outrora, a saber: a religião, ou a palavra do Deus. Legitimado pela palavra do próprio Deus o profeta ousa negar toda religião vazia de autenticidade e, sobre a base da autoridade divina, ele pode assim convocar o povo a uma reforma sócio- religiosa. Sua voz é incômoda, pois denuncia a iniquidade que aos poucos se acomoda em formas sociais e religiosas. Como diz o livro do profeta Amós:

  “Aborreço, desprezo as vossas festas, e as vossas assembléias solenes não me dão nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos, e ofertas de manjares, não me agradarei delas: nem atentarei para as ofertas pacíficas dos vossos animais gordos. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias dos teus instrumentos. Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso.”

                 A mesma autoridade divina que um dia institui seus sacramentos, agora, pela boca dos profetas os rejeita, pois, mais do que cerimônias, holocaustos ou cânticos, Deus prefere a justiça, a obediência a lei e a compaixão ao pobre ( Amós 5: 11). Trechos do livro de Amós demonstram que a prática religiosa nunca deve estar desvinculada da prática de justiça social, de modo que o enriquecimento de poucos por sobre a miséria e desolação de muitos faz dos sacrifícios sagrados abominações diante de Deus, um descaso social que, segundo Deus intermediado pelo profeta, trará ruína para o povo de Israel.

                Assim como a prática da justiça social tem efeitos sobre as práticas religiosas, também estas refletem diretamente por sobre a vida do povo, outro profeta chamado Oséias trás tal denuncia em suas palavras: 

Só prevalecem o perjurar, e o mentir, e o matar, e o furtar, e o adulterar, e há homicídios sobre homicídios. (...) O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei dos teus filhos.’

               Quando os sacerdotes da nação se desviaram de lei e conseqüentemente do Senhor, por logo todo o povo caiu em desgraça por se deixar conduzir por esses. Os sacerdotes e os profetas, sempre, no devido momento, devem se opor, pois, afinal enquanto um promove a estabilidade o outro provoca mudança.

             Os profetas ainda ensinam hoje nos tempos de igreja evangélica brasileira, pois, esses são dias em que a injustiça social mais uma vez se fez cômoda entre as estruturas sócio- religiosas, de modo a fazer de cultos, festas e cânticos algo por certo abominável aos olhos de Deus, o descaso para com o semelhante tem esvaziado todo o significado de tais cerimônias. E por fim, muitos dos pecados do nosso povo brasileiro tem sido resultado de rebanhos mal conduzidos por pessoas que há muito se afastaram da lei e da justiça divina e, consequentemente, também estão longe do Deus bíblico. Todavia os profetas nos ensinam que todo engano com máscaras sagradas, só pode ser contradito pela palavra essencialmente de Deus, por conseguinte, é dever do profeta incomodar, se opor, denunciar, reformar ou ruir toda e qualquer estrutura corrompida pelo homem, desviada do amor, mesma quando travestida em aparências sagradas.

                                                      Castro Lins

quarta-feira, 14 de março de 2012

UM DIA ESPECIAL




Um Dia Especial


Fui amigo de um rapaz chamado Levi. Ora, para evitar suspeita, ou dúvidas sobre a veracidade das minhas palavras, devo acrescer que ele foi apenas um conhecido, ou ainda, talvez, somente uma história, seja como julgar melhor o leitor. Sei que não deveria eu ousar tanto quando falo a respeito de uma dor que, em seus mais aspectos, simplesmente desconheço. Todavia a narrativa é curta demais para que ofenda quem a ler, essa relis historinha não passa a ser mais do que é, a saber: insignificante! Porém, no fim, alguém a de convir comigo, a despeito de todo o meu amadorismo, e encontrar por entre seus melhores conselhos essas palavras inacabadas.

Levi foi um rapaz que descobriu um invasor mortal em seu corpo, este o invadiu em idade inoportuna, pois meu amigo ainda era um jovem moço quando soube que fora acometido – não sei se essa última é a melhor palavra a se usar – por um câncer que lhe deixou apenas com alguns
outros poucos dias de vida. Claro que deves, amigo leitor, estás a pensar que nenhuma novidade há nessa historinha proposta, afinal, muitas são as pessoas que sofrem com câncer ou outras doenças terríveis, e todos já sabem como se sucedem e até como terminam tais histórias. Ora, meu leitor, não estou eu ciente de tais perigos literários? Ainda mais, posso dar- te garantias que o último dia de vida desse rapaz é digno de relato meu – escritor de um blog quase nunca acessado - em uma página ou duas no máximo, dependendo da minha pobre criatividade. No entanto, voltemos ao Levi em seu derradeiro dia de vida:

Aproximavam-se às nove da manhã
quando acordou em uma cama de hospital público, estava vigiado apenas por uma enfermeira obesa de meia idade que parecia não saber como sorrir. Às nove horas e quarenta e cinco minutos sua mãe apareceu por entre as portas. Ela ficara sabendo, há poucos dias, que o filho, pobrezinho, estava nas últimas e quando soube fez o que nunca havia intentado nem em seus surtos de coragem: desafiou o marido e sua usura, fez-lo pagar as despesas com a longa viagem e ainda exigiu dele muito dinheiro, baseada na crença inocente que o filho ainda poderia ser curado se, despeço daquele fétido lugar público, transferido para um bom hospital de usura tal a do seu marido.
Ah caro leitor, pensas que o que narrei até agora não te impressionas em nada, não é verdade?
Mas é porque tu não conhecias essa mulher pacata que mais parecia uma serva passiva do seu marido, porém por um dia, não mais do que isso, o que para minha história é bastante, essa mulher enfrentou o senhor que por uma vida a oprimiu e viajou dias para encontrar o filho e, por uma única vez, recolhe-lo em seu colo magro. Seu corpo quase sem força estava infantil no colo servil da sua mãe, foi o que Levi desejara por a vida que já estava a se findar.

Às onze horas, a surpresa de Levi não poderia ser comparada a nada que um dia surpreendeu esse escritorzinho de blog, por isso, paciente leitor, sinto dificuldade em descrever esse momento, mas tentemos: Levi não conheceu seu pai - até aquele instante - este deixou sua mãe após rejeitá-lo ainda bebê. Ser rejeitado antes de nascer é como ser julgado antes mesmo de cometer o seu crime, mas prometi não me alongar e não vou estender mais essa história com as tantas metáforas que agora me vêem a cabeça. Sei que tu, leitor, és empático o suficiente para recriar para ti o sentimento sem precedentes de nunca ter conhecido o seu pai, mas naquele dia último tudo se desfez como se a morte fosse capaz de apagar os ressentimentos e culpas, e foi aproximadamente isso o que aconteceu: Levi experimentou a sensação, que não consigo contar em detalhes, de abraçar pela primeira vez o seu pai que, mesmo que após anos, naquele dia foi ao seu encontro.

Quero pedir perdão se dei a entender que, antes desse dia miraculoso, Levi se encontrava sozinho nesse mundo, sinto muito se não fui claro. Para me reparar, devo lembrar-me de alguém. Uma doce e meiga garota que estava, como sempre esteve, ao seu lado: antes e durante a internação. No dia da sua morte foi a primeira a sentir sua pele fria sobre as mãos. Sim! Essa por certo essa é a melhor resposta aos seus pensamentos, meu querido leitor, por isso deixa-me repeti-la com mais clareza: Sim, com certeza ela o amava de modo sincero, claro, por isso ele não deveria queixar- se com Deus alegando que nunca fora amado... seria o mesmo que mentir após a morte, se isso for possível.

Oh não! Esqueço-me de uma parte importante dessa história. Estou certo que alguém me repreenderia por contar um sonho feito de talvez, mas seria desonesto com os sonhos não contá-los unicamente por não serem reais ao meu juízo, não concordas? Deixe-me parecer ao menos honesto: Naquele
leito, naquele dia, na penumbra entre o a luz e as trevas da noite, outra personagem chegou para compor o dia. O sol raiara logo em seguida a entrada furtiva dessa moça no hospital, só sei dizer que ela tinha olhos tristes que o observavam de longe. Aproximou-se com uma lentidão crível e enquanto dormia o
meu prezado amigo, ela o beijou, tornou a beijar a única boca que a beijou até aquele - inefável - momento e depois, às cinco da manhã, depois de muito olhá-lo, se foi. Levi empobreceu minha história quando decidiu velar para si o nome desse sonho. Pareceu-me acreditar que não seria necessário, outra vez mais, acordar de seus belos sonhos, isso o fez feliz.

À tarde, já próxima do seu fim, trouxe antes de ir os seus irmãos, estes ficaram por tempo suficiente para recordar as inúmeras travessuras e brigas tolas, a mágica daquele dia transformou tudo em motivo de riso. Algumas tias queridas chegaram lá pelas cinco da tarde com alguns quitutes culinários, Levi provou tudo as escondidas e levou para o céu sabor adorável da comida das suas tias. Amigos tão virtuais que um dia se foram no tempo, também quase não cabiam naquele quarto dividido com outros dois doentes. Levi confessou que se o céu o deixar escolher sua própria alegria, ele iria reviver por lá os bons e divertidos dias, ainda que raros, ao lado dos amigos. As palavras realmente ditas, ou aqui inventadas por mim, se fizeram na hora sexta desse dia.

Às sete horas da noite pediam licença pela janela. Irmãos de sua pequenina igreja recitavam suas orações, talvez pela primeira vez ele as ouviu atento com olhar fito nos lábios que se moviam em petições. Ele riu para si e decidiu por fim ensaiar sua última oração e, por conveniência, fechou os olhos. Antes de findar à hora sétima, de um modo incompreendido a dor deixou seu corpo, devo, no entanto, pedir que não prossiga em sua credulidade, meu amado leitor, ao ponto de cogitar um milagre, pois não foi bem o que ocorrera naquele instante. Entretanto, para além do milagre Deus foi o seu último, e mais esperado, encontro de um dia especial.
Deus veio vê-lo antes do fim, ou do início se melhor calhar. Entre murmúrios de orações percebeu presenças, por fim sentiu morrer a solidão e, não por mais do que doces minutos que antecediam a morte, a vida se fez preenchida de significado. As tantas dúvidas o deixaram morrer em paz, o choro estava a tomar a todos, menos os olhos já fechados do meu querido amigo.
O que tenho a diferir nessa história, meu já intimo leitor? Nada em especial, a não ser por um dia somente. Pois por um dia, sinto só poder garantir um dia, meu amigo não esteve sozinho.
Estou a pensar, por agora, se foi o câncer ou em suma a morte responsável por proeza tal... não tenho respostas, mas se foi que seja! Se a vida se fez refém da presença da morte, o que fazer? Importa saber, porém, que antes que Deus se inclina- se para levá-lo consigo após a acre solidão dessa vida, o dia último de Levi, meu amigo, foi especial.
Se suas expectativas foram, meu leitor, de modo superiores ao que te ofereci, peço desculpas novamente. Isso foi tudo que Levi me deixou: um dia
especial.
Castro Lins

"(...) Porque o homem se vai à sua casa eterna, e os pranteadores andarão rodeando pela praça;” O Coélet

quinta-feira, 1 de março de 2012

UM ESTUDO EM ROMANOS _ Primeira Parte



"Esse texto é uma adaptação escrita, inspirado na mensagem original
ministrada na Primeira Igreja Batista em Seropédica."


ESTUDO EM ROMANOS- Primeira Parte

Sem encontrar muito que dizer por agora, começo pela minha simpatia por alguns
livros da bíblia. Um deles, por certo, é a epístola aos romanos. E digo de
passagem que esse é um livro realmente fascinante e que desperta em mim, desde
muito tempo, curiosidade. A carta aos romanos é considerada pela maioria dos
estudiosos, um tratado, o texto mais bem elaborado, e talvez o principal, desse
personagem intrigante chamado apóstolo Paulo.

Ao
diferenciar-se bastante das demais epístolas do apóstolo, essa carta pede sobre
si um olhar especial. Nas cartas aos gálatas ou aos coríntios, por exemplo,
Paulo responde a necessidades especificas vivenciadas por essas comunidades, em
outras palavras, Paulo ensina, combate
opositores, repreende condutas, fortalece, consola... todavia o faz sempre
segundo as demandas de cada grupo, digamos, de cada igreja .
No entanto, isso
não se aplica a carta aos romanos, pois, conforme o seu primeiro capítulo,
Paulo deixa claro o seu sincero desejo de visitar aqueles irmãos em Roma, mas
isso até aquele momento ainda não havia acontecido. Enfim, Paulo escreve a uma
igreja que ele ainda não conhecera pessoalmente, de modo que esse valioso
escrito pode, mais do que qualquer outro desse autor, ser usado em maior
amplitude, ou seja, seus ensinos são fundamentais para igreja em qualquer lugar
que esta se encontre, ou sendo mais ousado ainda, em qualquer tempo que esta se
encontre. São palavras que, não totalmente, mas em parte, ultrapassam os
limites contextuais, temporais, de uma comunidade cristã.

A
carta aos romanos foi uma oportunidade perfeita para o apóstolo tratar, de modo
profundo, o que é central e distinto para sua doutrina, a saber: A justificação
pela fé em Jesus Cristo. Esse texto é de uma força tal que Paulo parece progredir
em sua elaboração sobre assuntos que são o fundamento da fé Cristã. Ele fala de
modo soberano sobre o poder da graça, a maldição do pecado, a justificação pela
fé, a ação transformadora do Espírito Santo. Paulo, como um experiente maestro,
vai progredindo mais e mais até chegar a um ponto da carta em que simplesmente
se encontra sem palavras... sem ter o que dizer. E é exatamente esse trechinho
da carta em que de repente o apóstolo emudece, perde as palavras, que
oportunamente pretendo tecer algumas simples palavras minhas.

Verso 30: “Que
diremos, pois, à vista destas coisas?” Em outra tradução talvez essa
expressão pareça mais clara: “Depois
disso, o que dizer?”

Começamos esse ligeiro estudo, exatamente no
momento em que nosso personagem principal, Paulo, afirma não ter o que dizer
diante, ou depois do que já foi dito. Propositalmente usei a palavra “afirmar”
enquanto me referia a uma pergunta, e ai está a grande ironia presente nas
perguntas retóricas, estas são perguntas que na verdade não indicam dúvida, ou,
pelo contrário, expressam uma certeza evidente. Esse pequeno trecho do capítulo
8 contém muitas dessas perguntas especiais que mais afirmam do que questionam.
De forma que o texto trata sobre certezas vitais escondidas sob a aparência de
perguntas. O texto segue, como se subindo, por sobre perguntas retóricas:

Ainda no verso 30: “Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será
contra nós?"
Quando garoto, vivia a tranquilidade da minha
infância até o dia em que a geladeira da minha mãe recebeu seu mais novo
enfeite, um adesivo barato que foi colado na sua porta. Nele, estava escrito:
Se Deus é por nós, quem será contra nós?
Estava eu diante do meu primeiro
mistério. Desde onde consigo me lembrar, essa pergunta sempre me incomodou. Imaginei
todas as possíveis respostas para ela e só acalmei minha alma quando, aos doze
anos, cheguei a conclusão que Deus era por mim, enquanto a minha malvada
professora de matemática certamente seria contra mim. Alguns anos se passaram,
quando já adolescente fui ao cabeleireiro, de repente, olhei no recanto do
espelho e ela estava lá, havia voltado para me atormentar. Carreguei comigo
essa pergunta por muito tempo, até pensei que finalmente havia respondido- a
quando supus que o diabo seria contra nós. Eu não entendia... Não sabia que
essa era uma pergunta daquelas cuja resposta está ao mesmo tempo implícita, e
ao mesmo tempo clara como o dia.
Hoje eu entendo... que somente não há quem seja contra nós quando Deus é por nós. Isso
não significa ignorar os possíveis adversários prontos para nos fazer mal, ao
invés, seu significado equipara-se ao verso 28 desse mesmo capítulo:
“E sabemos que todas as coisas cooperam juntamente, para o bem
daqueles que amam a Deus...” Sabendo que são todas as coisas, eu acrescentaria
ao versículo: Todas as coisas, inclusive o mal, inclusive os adversários, cooperam
para o bem daqueles que amam a Deus...
Perguntas retóricas existem para nós deixar
indefesos, acontecem quando nossa melhor resposta é o silêncio:

Verso 32:
“Aquele que nem mesmo seu próprio Filho poupou, antes o entregou por
todos nós, como nos não dará também, com ele, todas as coisas?”

Esse verso acima nos remete a conhecida história de
Abraão e seu filho Isaque e, mais
especificamente, ao relato que descreve o momento em que Deus pede a Abraão o sacrifício do seu próprio filho,
este prontamente se mostra disposto a obedecer o seu Deus e sacrificar o filho,
mas Deus o impede posteriormente. Essa história enfim deixa entender que se
Abraão era capaz de sacrificar o seu amado filho em favor a Deus, por certo
também era capaz de tudo fazer por amor a esse mesmo Deus. Aquele que oferece
um filho, não negaria nada mais. No entanto, quando Paulo aqui se refere a Deus
e seu filho Jesus crucificado a lógica é inversa, tudo é posto de cabeça para
baixo: Pois já não é o homem quem sacrifica seu filho a Deus, o fascínio é:
Deus que sacrifica seu filho pelo homem, e se ele, Deus, é capaz de sacrificar
o seu amado filho em favor do homem, por certo também é capaz de tudo fazer por
amor a esse mesmo homem.

Perguntas retóricas nos expõem a certezas ímpares e,
por vezes, nos encontramos simplesmente sem ter o que dizer. Talvez seja esse o
intuito do autor: roubar nosso fôlego nos expondo a verdades sem par;
(Continua)
Castro Lins

UM ESTUDO EM ROMANOS - Segunda Parte






"Esse texto é uma adaptação escrita, inspirado na mensagem original
ministrada na Primeira Igreja Batista em Seropédica."


ESTUDO EM ROMANOS - Segunda Parte

Verso 33- 34: “Quem intentará
acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.

Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou, antes, quem ressuscitou de entre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós.”

As verdades desses versos parecem óbvias para qualquer cristão, todavia, nossa mente, sempre amedrontada pela culpa, recruta erros e acusadores a todo instante, esquecendo quem nos advoga e justifica. Taís palavras são repetidas ao longo de toda obra escrita do apóstolo de modo a torná-las centrais para sua doutrina,
porém, mesmo dessa forma esses versos, ainda, podem se apresentar como perguntas comuns, sem a retórica das perguntas anteriores, sem certezas imprescindíveis, pois, no final, nos resta sempre a escolha indelegável:
interpretar para a vida tais palavras como certezas consideráveis, ou,
simplesmente, ignorar a retórica com a incerteza recorrente a qualquer outrapergunta comum.

O texto
continua a subir, como se progredindo a um clímax. Acredito que todas essas perguntas antecedem, pronunciam e anunciam uma outra de importância última. A essa pergunta Paulo dedica mais atenção, pois, antes mesmo de respondê-la, põe- se a listar possíveis respostas erradas:

Verso 33:
"Quem nos separará do amor
de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a
nudez, ou o perigo, ou a espada?”

Paulo
provavelmente se refere às ferozes perseguições sofridas pelos cristãos de seu
tempo e, não muito menos, também a todo sofrimento que nos assola hoje. Será,
afinal, o sofrimento poderoso o bastante para nos separar do amor de Cristo?
Não é ainda nesse versículo que ele responde;

Verso 34- 35:
“Como está escrito:
Por amor de ti, somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como
ovelhas para o matadouro.
Mas, em todas estas coisas, somos mais
do que vencedores, por aquele que nos amou.”

O teor
dessas palavras perece mesmo fatalista, apresenta a morte por sua presença todo
o dia, como a estar sempre a nos cercar. Ao mesmo tempo o texto compara
cristãos a frágeis ovelhas a caminho do abatedouro, rumando sempre em direção a
morte. Não é nada difícil compor um tom triste a essas palavras. Se existe algo
temível nessa vida, certamente, é a morte com todo seu furor; Será ela poderosa
o bastante para nos separar do amor de Cristo?

O que mais
impressiona nesse texto é o efeito de ligação da expressão: “ Em todas essas coisas”. Pois ela faz um paralelo surpreendente entre o sofrimento e a vitória, como se ambos
caminhassem lado a lado, no entanto, nossa tendência natural é separá-los, como
se isso de alguma maneira fosse possível, e não é. O sofrimento é imanente a
vida e só quem ignora a dor do seu semelhante pode negar o sofrimento. As
igrejas inocentemente deturpam o significado desse texto quando afirmam que “somos mais que vencedores” sem antes
dizer: “em todas essas coisas”. É
justamente imersos na tristeza inamovível desse mundo, é cercados pela morte a
nos sondar todo dia, é presos a um contexto de sofrimento e dor... é em todas essas coisas, e outras mais, que somos vencedores, ou ainda, mais que vencedores por meio daquele que nos amou,
a saber: Jesus o Cristo.

Para ilustrar: Conheço a história de uma mãe
que por um longo tempo passou por muitas privações para custear os estudos de
uma filha. Ela trabalhou bastante, por vezes foi humilhada, porém, enfim chegou
o dia da formatura dessa filha, e esta fez para a mãe um lindo momento de
gratidão e homenagem... A mãe se emocionou bastante e disse:

“Se eu pudesse imaginar que viveria tamanha
felicidade e se eu pudesse imaginar... se soubesse que seria esse momento tão
especial... Passaria por todo o sofrimento que passei de uma forma diferente,
de uma forma mais firme e esperançosa, eu passaria pela dor como uma
vencedora...”

Eu devo
acrescentar a história quando digo que se nós cristãos pudéssemos imaginar... Se
nossa pobre mente pudesse conceber por um instante o que nos espera em Deus...
Passaríamos pelo sofrimento dessa vida como vencedores, com muito mais vigor e
esperança.

A esperança
que nos move por entre os pesares dessa vida é essa, como disse Karl Barth: “Do
mesmo modo que somos co- participantes das dores de Cristo, também somos co-
participantes da sua glória.”

Ou melhor
expresso pelo próprio apóstolo nos versos 17 e 18:
E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros, também,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos,
para que também com ele sejamos glorificados.
Porque, para mim,
tenho por certo que as aflições deste tempo presente, não são para comparar com
a glória que em nós há de ser revelada”.

Não!
O sofrimento não pode nos separar do amor de Cristo! Mas sou eu quem esta dizendo antecipadamente,
pois Paulo parece escrever um poema antes de responder a essa pergunta:

Verso 38- 39:
“Porque estou certo de que, nem a morte,
nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o
presente, nem o porvir,
Nem a altura, nem a profundidade, nem
alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, nosso Senhor.”

Chama
atenção como esse verso é iniciado com uma certeza manifesta. Antes Paulo
referia-se as dores desse mundo, agora, porém, se volta a forças de outro
mundo, a poderes ocultos, anjos, ou a avassaladora força do tempo que devasta a
tudo e a todos, mas de modo que nem estes, nem mesmo a vida com tudo que nela
há, ou a morte que varre todos os seres viventes, nem os céus ou a terra, nada
que um dia foi criado é forte a tal modo capaz de nos separar do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.

A certeza do amor de Deus, talvez
a única certeza que o homem precisa para viver. E diria ainda que a nossa
existência será de uma forma muita mais dolorida se nos faltar essa certeza.
Uma amiga, psicóloga, certa vez disse que, infelizmente, grande parcela dos
problemas relacionais, das violências domésticas e de tantos casos de abusos de
todos os tipos são recorrentes a pessoas crentes que nunca foram amadas por
ninguém, diz ela. Os piores males da nossa sociedade são reflexos da incerteza
desse amor. Lembro- me da única vez que vi meu pai chorar... Percebi por traz
da sua rigidez e intolerância uma criança alegando que ninguém a amava, nunca
esqueci esse dia em que enxerguei a real fragilidade daquele homem que não
sabia se relacionar com seus filhos.

A vida é um
bem perecível, ela passa com rapidez e não volta, logo, a maneira como passamos
por ela requer toda atenção. Podemos seguir por através dessa vida como órfãos abandonados em dias maus, imersos em um mundo onde o sofrimento não pode ser negado, ou, porém, podemos caminhar por entre a vida e suas dores como pessoas amadas,
naturalmente, incertos sobre muitas coisas, inconstantes, todavia tomados pela
constatação de que o amor de Deus não nos larga. De fato, nos dias de angústia,
fome e nudez, igualmente nos dias de dúvida, ou naqueles dias em que se deseja
nunca ter nascido, por certo será a certeza desse amor que irá nos suster, irá
guardar nossa esperança e, se, de algum modo vale a experiência deste que lhes
escreve, essa certeza foi e continua sendo a que resta a ele e, por fim, o mantém
vivo!

Castro Lins


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Fim do Mundo



Fim do Mundo

Uma cidadela do sudeste brasileiro foi tomada por horrível pestilência. Uma
enfermidade carregada pelo vento e cujo contágio feroz matou famílias inteiras em poucos dias. Prefiro aqui não descrever sintomas, pois estes, de modo eram tão repulsivos e mortais, que seria, da minha parte, um desrespeito a
humanidade de tais pessoas. Para além das dores descomunais o medo levou muitos
a tentativa de se isolarem em suas casas, pois, qualquer mero contato poderia
ser o último. As casas tornaram- se ilhas, refúgios ou, sobretudo, consideraria
cárceres. O terror confundiu mães quando estas cerraram suas portas para os
filhos contaminados e por fim, a cada casa por onde restou alguém, pequenos
mundos nasciam a parte da insuportável realidade lá fora. Entre esses estava
uma pequena igreja com seus portões fechados, abrigava alguns poucos membros
seus e mais os lideres daquele rebanho remanescente:

“Meu
amigo, Jean, Pastor desse rebanho comigo, diz, ainda sereno, que esse é o fim
do mundo, devo acreditar? É irônico, não? Esses talvez sejam meus últimos
momentos de vida e ainda não sei ao certo em que devo acreditar. As dúvidas
continuam em centenas, mas todas estão recolhidas hoje, pois uma certeza me
move a escrever- te... Deus! Apen
as eu e tu sabemos o quanto esperei por esse
dia. Procurei evidências tuas em cada dia e em toda parte, esperei ouvir tua
voz e nada! Cumpri todas as regras e rituais, professei como verdade cada palavra
de fé, ajoelhei- me, e estava sozinho, onde tu estavas? Segui todos os passos
que os homens um dia disseram que me levariam indesviavelmente a ti, mas não te
vi mesmo de longe, talvez tenha me perdido. Fui a cada cidade santa a tua
procura e conclui que não te encontravas em templo algum, por quê? Nada passou
de êxtases momentâneos, ou de uma relis obediência a moral humana. Nunca fomos
assim tão próximos, não é verdade? Apesar dos meus sermões que dizem ao
contrário. Hoje, porém, minha busca encontrou o seu cessar e somente agora te
vejo mais claro. A noite se foi e estou na penumbra que anuncia o dia, pois aos
poucos te desvelas para mim, meu Deus. Te postas diante de mim e eu sem demora
vou ao teu encontro...
Nunca
antes havia imaginado a morte dessa maneira, pois caminho a ela com toda a vida
que tenho, de uma forma que a tua cruz se preenche de motivo, de razão de ser.
Aliás, antes, era a mim inconcebível encontrar essa razão, ou a função que te
levou a morrer como homem sendo tu Deus. Como imaginar o Deus indescritível na
menor e desprezível imagem humana? a saber: Deus na pessoa de um servo, ou
ainda de um escravo. Invertes com tua cruz todos os valores, afastas as
virtudes e as bem aventuranças de toda forma tirana de poder, também do ouro,
ou da sabedoria e encaminha a felicidade para o servo, surpreendentemente, para
o pobre e para os teus pequeninos, sei que somente Deus ousaria tanto.

fora, de onde ecoa a tua voz, há pessoas que perecem, sofrem, sabes bem que a
realidade não é nada boa. Eu te pedi uma simples cura, e tu me respondes para
além e concedes a mim um milagre, afinal, o teu maior milagre sempre foi
resignificar a vida, girá-la para tua direção. Perdão por tanta demora, foi
difícil perceber, mas logo te vejo perto. Deus, sei que estás a minha espera
logo após esses portões, feliz como uma criança, vou ao teu encontro.”

Escritas
tais palavras ele se foi por entre os portões da igreja, logo a sua frente
encontrou a fragilidade das pessoas a sua espera. Foi ao encontro dos doentes,
dos aflitos a espera interminável por quem os consolasse. Carregava em manuseio
apenas a fé, seu dom, e partilhou- a para alívio dos cansados. Ávido por Deus,
o encontrou vívido e claro como sol enquanto servia aos necessitados. Ele,
Deus, sempre esteve lá aguardando um encontro, a sua espera após os portões da
igreja onde pessoas reais pediam ajuda. Dizia antes de morrer que o Deus servo
e crucificado é incompreensível enquanto estivermos longe do outro, isolados em
nosso mundo, em nossas ilhas, em nossas casas, pois em suma, Deus está sempre
um passo em direção ao outro.
A
carta a Deus foi encontrada sobre sua antiga cama, todos os membros da eclésia esperavam
o seu retorno. Os dias passaram e se foram, e aquele homem, simplesmente, não
voltou. Por certo morreu como qualquer outro doente tomado pela peste.
Entretanto alguém, por ventura, leu sua carta e a notícia se espalhou quando
aquela igreja, de vez, abriu os seus portões para ir a fora servir. Ora, como a
um contágio, o vento soprou e outras igrejas o mesmo fizeram.
Quando
a peste se foi, levou consigo esses cristãos que um dia foram chamados para
fora, muitos, ou quase todos, morreram. Porém, antes da morte, em liberdade o
Deus servo foi-lhes ao encontro e, ainda naqueles dias de tormenta, a tardar,
uma profecia se cumpriu: foi o fim de muitos mundos.
Castro Lins