sexta-feira, 13 de março de 2009


Divã: Quando Criança...

Quando criança deparei-me com uma crítica um tanto estranha, não sei bem por que meus pais sempre me recriminavam esperando de mim atitudes mais adultas.

Acho que eu era criança demais para compreendê-los, mas na verdade, ainda hoje, com meus vinte e poucos anos, guardo essa dúvida como uma esquisita lembrança da minha infância.

O mais interessante é que essa crítica sobreviveu os anos e meus amigos mais próximos afirmam, brincando, que minha idade máxima deve chegar aos 13 anos de idade, creio que não falam isso pelo meu rostinho de garoto (afinal já aprendi fazer a barba), essa opinião se deve as minhas brincadeiras bobas, ou ao meu apresso pelas crianças que chega a ponto de uma difícil distinção entre eu e elas, porém pessoas mais observadoras podem atentar ao detalhe da minha altura.
Nesses últimos dias, iniciei meus trabalhos de professor numa escolinha de interior localizada numa zona rural em um bairro carente do Rio de Janeiro.
A realidade fora do universo universitário é tristonha, sobretudo irônica.

Ironia esse bairro chamar-se Campo Alegre, ironia ainda maior quando vejo pessoas pobres e tristes morando ao lado do paraíso, ou melhor, a “Cidade Paradiso”, um conjunto habitacional que está sendo construído com promessa de lazer, beleza, paz e segurança para os filhos das famílias que estiverem dispostas a pagar por um terreno nesse paraíso.

O céu está de volta ao mercado, e o que separa as crianças condenadas socialmente com pena de muitas vezes freqüentar a escola em busca apenas da merenda escolar, dessas outras, aquelas destinadas ao paraíso: é apenas uma cerca de arame, ou duas placas cada uma se referindo a um bairro distinto do estado do Rio de Janeiro.

O paraíso é vizinho da miséria, na verdade sua alegria deve-se a tristeza do vizinho, sua existência de fartura deve-se a existência de escassez do seu vizinho, assim como não existiriam os ricos se não existissem pobres. Assim como a favela da rocinha cerca prédios de luxo, na esperança da suas sobras, migalhas do seu pão nosso de cada dia.

Essas são as atitudes adultas que mais me enojam, os adultos criam e respeitam as cercas, as crianças pulam os muros e brincam no quintal do vizinho independente da classe social ou cor de pele e sobrenome que seu amiguinho possa ter.

Atitudes adultas construtoras de cercas morais entre o paraíso e o inferno.

Julgamos uns aos outros nas duas caras da vida na face social e espiritual, no fim as cercas só nos separam, isso explica a razão da solidão dos adultos, chorar não é mais uma atitude infantil ela é particular aos adultos, já o mais puro e sincero sorriso, não aquele maquiado que vemos nos comerciais, falo das gargalhadas desprovidas de intenções, essas vão embora com a idade.

Quando comecei a conviver e observar as crianças dessa escola, percebi que meus pais e amigos estavam extremamente errados, infelizmente não sou uma criança.
Como alguém diante de um espelho enxerguei o adulto miserável que sou. Foi vergonhoso e ao mesmo tempo pacificador o instante em que pisei na escola e as crianças me abraçaram sem ao menos me conhecerem, abraços esses que eu nunca consegui oferecer as pessoas desde adulto.


Sempre tive dificuldade com abraços.


A cada dia que ficamos mais velhos (não me refiro à idade sim ao espírito terno), perdemos aos poucos o dom de expressar nossos bons sentimentos, o medo é o sentimento que nos leva a esconderijos, e como dizia Drumomm


“a prudência egoísta que nada arrisca, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade”.

A vida nos faz insensíveis a abraços, incapazes de ofertá-los, restringindo-os, muitas vazes, como exclusivos a minha “mãe e esposa”, suspeito e temo a economia dos abraços até entre pais e filhos.

As crianças expressam seus sentimentos com uma perfeição que inveja os poetas, não é nada fácil ser verdadeiro para alguém e lançar fora o medo ao mesmo tempo em que se sabe das responsabilidades e sacrifícios quando se diz:


Eu te amo.

Creio que as muitas frustrações do amor estão no medo de expressá-lo, ou até na insegurança de não ser correspondido, isso nos faz adultos de pedra, os sentimentos guardados findam na petrificação, ou pior, ganham uma nova natureza e podem tornarem-se odiosos armazenados como rancor.

Fiquei pasmo e derretido com cada abraço, com cada beijo sem lascívia, com cada cartinha de amor de desenhos simplórios e mal pintados escritos dessa forma:

“tiamo”.

Todavia não são cartas vazias, são carregadas com amor que invejaria o melhor entre os escritores, são bem mais que papel e grafia.

Mesmo diante de uma realidade tortuosa, mesmo preso ao meu pessimismo puramente racional que adquiri quando adulto, mesmo assim, meus ouvidos ouviram uma melodia de fé, quando algumas crianças recitaram seus sonhos. Desejos simples, mas que poderiam ser enquadrados como utopias diante do real.

Quando me tornei adulto, simplesmente perdi esse dom de sonhar, acreditar mesmo que as circunstâncias me torturem e me obriguem a negar tudo que acredito. As belas utopias que nos fazem caminhar foram esquecidas entre os trânsitos de carros da vida adulta.

O tempo que é curto apenas para o que temem, não nos permite olhar para as estrelas que são inalcançáveis, mas são o brilho na escuridão do céu noturno, guiam navegantes e nos levam a Belém, onde nasce a esperança.

Quando criança, tudo parecia mais fácil, não havia cercas entre eu e você, não havia filtro para palavras, pois elas já saiam puras.

As máscaras que usei, foram as do homem aranha, a imaginação era viva e sapeca, eu não sabia português, mas sabia abraçar.

As crianças não reverenciam nem inserem o perdão na complexidade que ele merece, perdão não é dito, as crianças apenas esquecem o que passou, minutos depois convidam seu opressor momentâneo para brincar de roda.

Quando criança chorava as dores das minhas perebas e tombos de bicicleta, quando adulto aprendi a esconder as lágrimas onde ninguém as encontraria no pique esconde, já não vivo aos berros, na maior idade o choro é silencioso e solitário, já não temos nossas mães por perto para consolar e passar pomada em nossas almas doloridas.

Já não adianta berrar, existe um uma barreira de concreto aprisionando o som, os fones de ouvido não permitem que alguém nos escute.

Não satisfeitos, roubamos o que não temos, para que ninguém mais o tenha, e exploramos crianças no trabalho infantil, ou talvez pior, simulamos e antecipamos a desgraça por vir, preparando-os para o julgamento final: o vestibular, onde as ovelhas serão separadas dos cabritos.

No fim, minha infantilidade não consegue entender o gigantesco muro que separa a Cidade Paradiso da miséria do bairro Campo Alegre.

Não encontrei respostas em livros adultos, nem em telejornais.

Talvez o sistema político seja apenas uma caricatura externa da nossa interiorizada e enrugada face adulta, que perdeu com o tempo os traços simplórios de um sorriso infantil.

Sei que o tempo não volta, mas quero destruir os muros de Berlim que construí outrora, não quero que ninguém se machuque mais com minhas cercas de arame farpado, e quando olhar as estrelas vou lembrar que não há véu nem muros que nos separem dos céus, os adultos dirão: utopia, as crianças dirão: fé...

Castro Lins

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