segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Poema Identidade




Poema Identidade

Dos sonhos não me recordo,
E se quando ao dormir eu esteja
Dormindo quando acordo?
Se certeza por certo seja
Essa porque concordo?

Tais ilusões são paredes
E vela todo vazio aparente:
Nessa sociedade que crede
Em toda verdade que invente.

Quem a construiu que recolha
Os restos e esses sinônimos
Que me propõem em escolha
Esses autores anônimos.

Esses sonhos não são meus!
A sociedade é quem sonha
E sopra nessas narinas,
Pois essa minha alma tristonha
Não há de ser obra divina!

Do céu vejo minha janela...
Será Deus que se revela?
Ou será outro sonho dela?

Tão Grande sociedade! Como
Cabe em minha identidade?

Castro Lins

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

TEOLOGIA EM PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA



Teologia em perspectiva sociológica: uma breve passagem pelo Jesus dos evangelhos e a Igreja contemporânea

Por Rafael de Castro Lins




Em uma atenta leitura dos evangelhos e do cotidiano eclesiástico é possível identificar alguns fenômenos sociais estudados pela sociologia. Primeiramente no que diz respeito ao surgimento de Jesus em uma sociedade judaica cuja fidelidade a trama de significados definidos e aceitos em consenso deteriorava-se, os sistemas sociais encontravam-se num processo de não- reconhecimento por certo em virtude do agressivo domínio romano, a partir de então a sociedade começa a fabricar novas expectativas, a fomentar um messias e um novo reino. Esse foi um solo fértil para o nascedouro de Jesus que se apresentava como uma resposta a expectativas sociais e sua conduta proporciona-lhe a identidade almejada do messias, antes tínhamos Jesus de Nazaré, depois do ministério apresenta-se Jesus o Cristo. Acredito que pelo modo como o Jesus dos evangelhos se coloca acima da tradição e da legalidade, pela maneira que apresenta uma nova trama de significados que redefinem Deus e a existência humana e que são aceitos, pois é significativo o número de seus seguidores no decorrer dos tempos, em virtude desses fatores Jesus também pode ser descrito em termos do carisma weberiano.


Ainda que no seu momento inicial o cristianismo mais pareça um processo de alheamento grupal, construindo um submundo com uma cosmovisão própria, todavia logo expandiu e se tornou o novo pressuposto da sociedade. A mudança de significados nos evangelhos é tão clara que enquanto inserido nos moldes tradicionais da sociedade precedente Jesus morre como um criminoso, pois afinal foi crucificado, e após uma mudança, uma redefinição das verdades sociais, Jesus então é apresentado como o Salvador, o Cristo. A sociedade muda e com ela mudam também os nossos heróis.


Por outro lado, como é bem colocado por Peter Berger: “A extraordinária paixão de um movimento carismático raramente vive por mais de uma geração. (...) o carisma reintegra-se as estruturas das sociedades em formas muito menos radicais.” Acredito que talvez a extraordinária paixão do cristianismo tenha sobrevivido mais de uma geração, porém é inegável que este integrou-se as estruturas das sociedades e hoje grande parte sua é apresentada como a instituição chamada igreja que, assim como outros órgãos dessa natureza, padroniza a conduta humana, utiliza sistemas de controle e apresenta seus caminhos desejáveis como única opção plausível. Em termos doutrinários a igreja também é definida em parte por pessoas que já morreram, mas que suas palavras ainda continuam vivas entre nós, em outras palavras mais diretas, a igreja também possui um dispositivo que gera identidade e dispõe aos seus membros um sistema de significados a ser adotado que propiciará uma cosmovisão, uma explicação para sua própria existência e para o mundo ao seu redor. A alternação sofrida pelo indivíduo envolve um rito de passagem que chamamos de batismo, este abre as portas para uma nova identidade gerada e para o ingresso no ambiente eclesiástico. É possível observar que a igreja também possui mecanismos de reconhecimento que sustentam essa nova identidade e a preservam do não- reconhecimento externo, além disso, o grupo de referência eclesial sem dúvidas é decisivo nas opiniões e ações desse indivíduo.


Na verdade não pretendo construir uma mera crítica, apenas estou tentando observar a sociologia na igreja e nos evangelhos, essas palavras são apenas mais uma perspectiva. Particularmente acredito na necessidade das instituições e vejo o nome cristão como um termo que supera o simples papel social, na verdade creio que a fé vaza os papéis sociais e necessita fazer parte de todos estes que formam nossa identidade, para que não haja incoerências em nossas vidas. Nesse sentido a sociologia pode ser importante para o exercício do pastorado, também contribui para abrir nossos olhos sociais para todas as funções manifestas ou latentes que a igreja tem gerado e assim avaliar cada tradição e ideologia e, se preciso for, redefini-las, como fez Jesus. Para que nossa identidade seja conforme a identidade do nosso Deus revelado em Jesus.



Castro Lins

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

TEOLOGIA EM FOCO - A Biblía: Uma Biografia

A Bíblia: Uma Biografia

Karen Armstrong
Capítulos 1 e 2

Resenha
Por Rafael de Castro Lins

A premissa que norteia as informações desses capítulos nasce a partir da destruição do templo judaico no ano 70 d.c, pois esse foi um fato desencadeante de diversas escrituras judaicas e cristãs, inclusive da maior parte do Novo Testamento. A religião judaica sofreu ramificações, transformações que após a queda do templo intensificaram-se. Uma dessas reverberações foi o cristianismo que nasce como uma alternativa de interpretação do judaísmo, e vale ressaltar, ainda muito ligado a este. O movimento cristão nasce da necessidade de uma nova leitura das escrituras sagradas judaicas, uma hermenêutica que se aproximasse mais com uma realidade de conflito com Império Romano. Jesus surge e logo é abraçado por um contexto que carecia urgentemente de algo, ou alguém, que substituísse o que outrora foi o centro da religião judaica, a saber: o templo. A religiosidade dos judeus foi alimentada como efeito direto do conflito com Roma, portanto, a concepção de um messias fortificou-se, a expectativa do Reino de Deus foi fomentada, e o produto desse imaginário religioso ardente foi literário, tanto da parte dos cristãos como da parte dos rabinos judeus.


O cristianismo foi uma hermenêutica que se destacou entre tantas outras seitas oriundas do judaísmo, como a própria autora ressalta: “O cristianismo é uma proeza exegética onde toda a história de Israel foi redefinida”. A crença fundada numa tradição é reinventada quando enfim reduz a Torá, o templo e os profetas a uma sombra do Cristo. Enxergar o Cristo nas escrituras sagradas dos judeus foi um método exegético que perdura até os dias atuais e de certo modo fundamenta o cristianismo. Essa revisão da Torá funcionou como meio de legitimação de uma nova forma de enxergar e interpretar Deus, para cristãos e para os rabinos pós queda do templo.


Esse florescimento plural de interpretações nascentes do judaísmo foi tanto, que mesmo não se pode falar de uma única visão cristianizada, na verdade, a vertente cristã se ramificou em diversas compreensões a respeito do Cristo, por exemplo, as igrejas da Ásia Menor estavam desenvolvendo um evangelho de cunho mais apocalíptico distinto, em alguns pontos, da interpretação das outras comunidades. A pluralidade de opiniões que inventaram muitos cristos tem uma fonte comum, mas contextos diferentes. Enfim, cada Jesus era desenhado segundo as demandas que eram distintas em cada comunidade. De certa forma isso ocorre até os dias de hoje, de modo mais intensificado, a partir da reforma protestante quando as escrituras sem restrições novamente estiveram abertas para as mais possíveis interpretações.


Esse livro também esclarece que esse fenômeno de reinterpretação das escrituras sagradas não foi restrito apenas aos movimentos cristãos, os rabinos judeus também estabeleceram sua nova compreensão dos escritos sagrados, e esse novo modo de entender a fé e a tradição também foi aceito por muitos judeus, a Midrash é o principal exemplo dessa nova visão nascida no farisaísmo. Assim estabeleceram-se dois ramos Judaicos conflitando entre si pela verdadeira hermenêutica do AT. Nos meados dos anos 80 e 90 os fariseus tornaram-se oponentes a medida dos cristãos, fato que possivelmente explica a maneira negativa sempre atribuída aos fariseus nos evangelhos. Os dois movimentos se coincidem em alguns pontos de suas interpretações, de modo que tanto judeus como cristãos experimentavam a Shekhinah de Deus tendo como principio maior a compaixão para com seu semelhante. Pode-se supor também que a regra da compaixão seria uma forma de evitar novos conflitos com Roma, evitando assim mais tragédias. Então se tem um paralelo entre rabinos e comunidades cristãs, ambos os seguimentos em uma intensa construção literária e conseqüentemente conflitando entre si. Todavia, é interessante lembrar que esses eram novos escritos, novos testamentos que respondiam as necessidades de um povo violado pelo caos da guerra. Por outro lado, para corresponder como consolo a aquela realidade, muitas vezes, seja por cristãos ou por rabinos, a significação original do texto sagrado necessitou ser sacrificada, ignorada em prol de uma hermenêutica mais coerente as necessidades do povo. Esse também é, por certo, um dilema para teólogos e pastores hoje: ignorar o significado real do texto sagrado para assim atender as necessidades da sua comunidade atual, ou permanecer fiel ao significado original evitando relativizar uma verdade crida como sagrada?


O cristianismo prevaleceu sobre todas as outras correntes do período pós queda do templo, diversos fatores podemos supor para justificar esse fato, a partir desses dois capítulos: Primeiro revisando os escritos sagrados para atender necessidades latentes do povo. Segundo aderindo os gentios sem impor a eles o judaísmo. Terceiro opondo-se fortemente aos movimentos contrários. Quarto definitivamente sua adoção pelo Império Romano.


Castro Lins

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

TEOLOGIA EM FOCO






CRISTO
UMA CRISE NA VIDA DE DEUS
de
Jack Miles

Resenha
por Rafael de Castro Lins




O paradigma que o autor evidencia para posterior formulações e teses, tem como base a o processo de transformação sofrido por Deus no decorrer dos tempos a partir das literaturas canônicas judaico – cristãs, e mais especificamente na transição de personalidade entre o Deus dos exércitos até o Cristo crucificado, ou seja, a passagem imprescindível do forte para o fraco. Deus é apresentado ao seu povo, Israel, após a saída do Egito, como Deus que é senhor de toda terra e maior que todos os outros deuses, não somente um deus nacional, isso porque a enormidade de sua força derrotou os egípcios – o mais poderoso império conhecido - em favor do seu povo escolhido... É importante a ressalva que esse sentimento de triunfo sobre as outras nações foi introgetado coletivamente em Israel. As conquistas militares do povo israelita demonstram o caráter personificado do seu Deus.


A forma que o povo encara seu Deus passa a sofrer um processo de mudança iniciado a priori nos momentos de exílios. Quando as conquistas cessaram e todas as expectativas e esperanças voltadas para o Deus dos exércitos frustraram-se, fez-se necessário aos poucos uma mudança na face, na pessoa desse Deus. Diante de um contexto que na prática estava além das forças de Israel modificá-lo, a saber, o domínio e poder violento do Império Romano, a ultima saída consistiu na premissa: se a realidade é imodificável, transforma- se então o Deus desse povo para contextualizá-lo sem retirar-lhe seu trono, em outras palavras, já não é por meio da guerra que Deus irá demonstrar ao mundo seu poder, e seu recurso a partir de então centraliza-se na personalidade mansa de Jesus o Cristo, segundo Jack Miles: “uma nova maneira de preservar a dignidade de Deus sem recorrer a guerra. O Deus da guerra está pronto para se tornar o Deus da sabedoria”. Os anseios do povo, dentro desse processo de transição, também se tornam outros distintos à vitória militar, agora são metafísicos tais como salvação, imortalidade da alma. Os heróis literários são vitoriosos não mais pelo viés militar, mas sim pelas suas virtudes, tal como Daniel. Esses são alguns fatores da transição. Todavia essas mudanças do caráter de Deus ganharam ênfase a partir do momento histórico mais favorável por vir, a saber: a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 da era cristã... Momento que emerge a necessidade de uma nova significação para Deus.


O cristianismo é concebido, na verdade, como uma revisão da identidade de Deus, e Jesus como um reparador dos seus erros passados. A restauração principal de Jesus ocorre quando este revoga para os homens a maldição da morte e abre, a partir de então, as portas para a vida eterna. O livro demonstra que Cristo é o resultado mais do que necessário de uma crise que ameaçou o nome, o trono, a credibilidade do Deus de Israel. Jesus é o Deus contextualizado, revisto, reinventado para garantia da vitória sobre o mundo. Jesus abre as portas para uma vitória transcendente que pode de certa forma demonstra a incapacidade de intervenção de Deus na vida real, isto é, mascara um fracasso militar, mas devolve as esperanças quando dirige o seu povo as moradas do seu Reino celeste. Jack Miles nós esclarece a esse sentido magistralmente com suas palavras: “Deus redefiniu a vitória e, ao fazer isso, redefiniu a si próprio”. A mansidão de Cristo contrasta inteiramente com o Deus dos exércitos e essa incompatibilidade provavelmente foi fator determinante para o nascimento de uma nova religião distinta da judaica, onde Jesus protagoniza a frente como o próprio Deus.
Castro Lins

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

IMAGENS




Imagens

Os sábios religiosos antigos acreditavam que espírito (pneuma) era um nome pelo qual os ventos atendiam, quando o espírito de Deus visitava um homem, era semelhante a um sopro, uma brisa, gélida talvez, que tocava a pele e penetrava na alma. O vento só é visto quando as folhas de outono dançam a sua música. Deus modelou o homem e quando decidiu dar-lhe a vida, soprou para dentro dele preenchendo- o com o espírito feito do ar, da respiração que vinha das suas entranhas, como se Deus doasse, deslocasse, o que guardava dentro de si para um novo recipiente chamado de homem.


O ser humano carrega o íntimo do seu Criador, o ser eterno do próprio Deus em seu corpo mortal. As pessoas andam pelas ruas asfaltadas e por entre shoppings e favelas sem imaginar que carregam o âmago de um Deus dentro delas. A crença no mito judaico da gênese, se real, pode mudar o curso da vida do seu crente, pois afeta de maneira direta as relações sociais. Poderíamos criar as mais belas utopias a partir desse credo, em outras palavras, sendo breve, realize: Quando que os assassinos poderiam imaginar que matar o outro, é como matar o Deus presente nesse outrem? Qual a sentença para o assassino de Deus? Imagine a grandeza da ética composta pela seguinte premissa: Praticar qualquer forma de mal a alguém que seja a imagem de Deus, é atentar mal contra Deus. Violentar seu semelhante, que o Senhor a sua semelhança o criou, é como esfacelar, desfigurar a face de Deus. Quem dera, para nós homens, se aquele individuo sujo, faminto, drogado, caído a margem da rua não fosse a representação viva do seu Criador... Quem dera, pois desse modo nossa pena seria mais branda, a responsabilidade seria minúscula. Como imaginar que o Pai de tudo criado tem fome e pede o que comer? E qual espécie de culpa seria essa que diria ao homem: Teu Deus teve fome, e não deste a ele o que comer.

Não há como negar o abalo causado por Jesus nas estruturas políticas e religiosas da sua realidade, e sua morte foi uma resposta, dessa sociedade, a altura do seu impacto social e espiritual. Jesus é o cordeiro de Deus sacrificado pelos pecados de muitos, crença que não nega que ele também foi um protagonista político de importância sem precedentes e procedentes, que o sistema romano achou melhor sacrificar. A crucificação de Jesus ensaia em moldes divinos, o que se repete diariamente em termos humanos. No dia a dia, de igual modo ocorrido com o Cristo, sacrificamos pessoas que são a imagem de Deus por razões políticas, imperialistas, econômicas e hipocritamente religiosas. Sacrificamos seus direitos a dignidade, a educação, a moradia, a fé saudável em favor dos interesses capitalistas, mascarados como sonhos de vida ou como liberalismo econômico, que não são sonhos próprios e muito menos plano de Deus, na verdade nada mais é do que a patologia consumista em padrões religiosos. Ao exaltar qualquer lei religiosa ou financeira, qualquer fim pessoal ou político acima da vida, é o mesmo que posicionar-los acima de Deus. A maneira que uma sociedade, uma igreja ou individuo responde aos direitos humanos mais básicos do seu próximo, diz respeito de modo concreto, a relevância ou posição que Deus ocupa na vida dessa pessoa ou desse grupo. Cada um que morre nas mãos do tráfico de drogas, míngua na fila de um hospital público, é como se Deus fosse novamente fosse açoitado, humilhado e crucificado por motivo do pecado humano, a saber: falta de amor ao próximo.

Todavia a ética judaica da gênese inebria a alma com quimeras que até parecem apontar para outro mundo. Todo ser é uma representação viva de Deus na terra, se real, esse seria o fim que qualquer forma de desigualdade e o início de uma aceitação das diferenciações que fazem de cada um especial ao seu modo. Servir a Deus sempre será tarefa impossível, ou fingida, enquanto o mito da gênese não nos convencer a ver Deus no outro, de modo que amando o próximo é a única forma real de amar a Deus, outra forma distinta dessa, é religião vazia. Se Deus for mesmo encontrado nos olhos dos filhos, na face dos pais, nas mãos do amigo, os relacionamentos por certos sofrerão uma transformação como resultado dessa fé. Aterroriza pensar que cada mal que fiz nessa vida, o fiz contra o meu Deus. Todavia alimenta toda virtude a movimenta o amor pensar que todo bem, cada pessoa que alimentei, cada sorriso que doei, cada palavra amiga ofertada, cada gesto, mínimo ou extraordinário, de amor, o fiz para o meu Deus. Pois o Senhor Deus presente impregnadamente em cada homem teve fome, teve sede, esteve nu, foi preso, e a maneira que reagi a suas necessidades prova o quanto o amo e valida meu cristianismo.

Castro Lins

E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Gênesis 1:27

(...) Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. (...)
O Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.(...) Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim.
E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna
Mateus 25:34-46

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ONDE NASCE A GRATIDÃO?



Essa lógica inconveniente parece clara: A vida se encontra muito além do nosso controle e zomba dos nossos cuidados. Não é difícil convir que exista uma infinidade de motivos e efeitos, causas e conseqüências que simplesmente infligem os mais calculados planos, sem nenhum respeito surpreendem previsões minuciosas e, potencialmente, extrapolam nossas forças. Saiba que o som da existência reverbera uma música impregnada de notas alheias a sua escolha. Uma música rascunhada com rimas e risos, porém, quando enfim perfeita, pronta para ser cantada, de repente... faz chorar! É a vida! E diante desta, o que é o homem senão uma criança?

O que está frente a você é uma falsa sensação de segurança e controle, pois nem toda tecnologia moderna, reunida como um muro de proteção, não é maior do que tsunamis de trinta metros de altura, e toda a supremacia econômica não paga a mínima parte do empréstimo que temos com nosso planeta. A cada dia se constroem mais presídios, mais modernos, mais seguros na certeza que o modo humano de viver é previsível. As universidades nos prepararam bem para o sucesso no mercado, só não avisaram que a vida não é um shopping e as relações sociais não se sustentam apenas na troca.
De repente nos encontramos inevitavelmente fracos, diante de um mundo sobremodo maior do que nossos esforços de proteção. De repente nos encontramos frágeis e sensíveis a toda sorte de possíveis adversidades que são imanentes à vida. De repente nos encontramos como diante de espelhos e nos vemos feios, com nossas imperfeições à mostra. Os pensamentos mais egoístas do íntimo meu, rechaçados em público e os erros que marcam, para que nunca ousemos esquecer que somos seres inacabados. Quando, por fim, nos encontramos incapazes e ignorantes a qualquer falso sentimento de poder... Já não de repente, o caminho por diante é indesviável e a sensação prestes a nascer após um longo tempo de gestação, diz respeito somente a duas palavras, respectivamente nessa ordem, indignidade e posterior gratidão. No coração dos indignos, seu nascedouro, a gratidão é notável.
No momento que a vida se ergue bravia contra nós, e o que resta é a certeza da capacidade e dignidade que nos falta... somos sorrateiramente surpreendidos diante do transcendente que de forma imerecida e não condicionada presenteia- nos com a faceta mais maravilhosa que a vida esconde. A despeito de todo o perigo a de redor, leva- nos por águas tranqüilas e contenta o nosso coração com uma alegria que até então fora desacreditada. Toma para si os nossos sonhos e quimeras e como o ourives manuseia- os para que sejam a mais pura obra de suas mãos. A surpresa diante do inesperado e a felicidade diante do presente imerecido precedem de maneira ultima a real gratidão. Por certo, chorosos de contentamento, caímos abruptamente de joelhos no chão e não haveria outra forma de se pôr, pois toda a beleza contida nesse único “Hoje”, e não bastante, mas cada benção que vem ao encontro de surpresa, ou mesmo o ar que inconscientes respiramos, por certo não é somente resultado final da dignidade ou muito menos de capacidade humana, logo, é milagre! Deus é sua causa primeira.
Fazer de cada bem, de cada momento, de cada realização um milagre sem igual, é a forma mais bela de atribuir a Deus a razão e o destino de toda nossa gratidão! Graças a Ele.



Castro Lins

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

INCONSTANTE




INCONSTANTE

Que é a vida, a criança quer saber?
Oh querida, saudade é a vida
De constante só o atar e o romper,
Hoje és minha doce criança
A criança amanhã é lembrança
E a vida: uma eterna inconstância.

A constância que creio consiste
Na eterna inconstância persiste,
Esse pleno, a saber: não existe!

Todo amor é a lápis gravado,
Felicidade escreve na areia,
A saudade sim, nessa creia!
Que é hoje como é no passado.

A tristeza tem fim, meu pai?
Claro que sim, minha pequena,
Assim como a alegria se vai,
Acaso essa dor seria plena?

Tem pra si o fim a inconstância,
Como ultimo bem e ofício,
Um nome porém, não alcança:
O Eterno sem fim nem inicio.

A constância é o Deus que canta!
Criança, viva a inteira infância
Pois, perguntar não adianta...
Vive, enquanto dure, a constância.

Castro Lins


sexta-feira, 3 de junho de 2011

POEMA OUTRO



Poema Outro

Acordes totalmente outros,
Velados até essa noite outra
Dança triste de outra espera,
Seu som secreto reverbera:

Que bela música é sua voz!
Posso ouvir eternidades
E tudo que possa vir após...

Acordes tocaram meus dedos,
Sou a dança da voz que impera
Suas notas sempre em segredo,
Seu som secreto reverbera:

Que bela música é sua voz!
Posso ouvir eternidades
E tudo que possa vir após...

Em três notas me compôs
Com música apodera, pois
Minha alma, em dança a fizera,
Seu som secreto reverbera:

Que bela musica é sua voz!
Posso ouvir eternidades
E tudo que possa vir após...

A noite se foi e agora acordes
Outros me compõem – deveras
Logo o poema outro transborde...
Seu som secreto reverbera:

Que bela música é sua voz!
Posso ouvir eternidades
E tudo que possa vir após...

Castro Lins

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Somente Diferente









É coerente com a sociedade, defender o pensamento que cada ser humano individual, em resumo, é fruto de uma construção humana coletiva, ou seja, social. Em termos mais alegóricos é como se o homem estivesse sempre em construção, inacabado, e cada relacionamento pessoal e social no decorrer de sua vida construísse um pouco da sua identidade. Os fundamentos desse edifício que denominamos “homem” são postos pelos pais, esses, salvo exceções, são o primeiro objeto de relacionamento do homem e por seguinte os primeiros a construir uma identidade ainda em desenvolvimento, num estado, digamos, fetal.
Num segundo momento, o homem sai da realidade exclusiva aos pais e então passa a relacionar-se com o ambiente em que se insere, a partir de então cada outro relacionamento vem a definir em parte o que aquele homem é, de modo que podemos supor que o homem é um cultivo de uma determinada sociedade, podemos ir até mais além, acreditando que cada ser humano carrega em si, como processo dessa construção de identidade, um pedacinho do outro, uma parcela de contribuição inconsciente que é fruto de relacionamentos. O pensamento ideológico dominante que molda o contexto desse ator, também é predominante na sua formação como individuo, por exemplo, o homem moderno carrega consigo toda uma bagagem antropocêntrica talvez inacessível ao homem da idade média, o advento da ciência e a certeza que a terra não é o centro do universo, são de certa forma conceitos indissociáveis de uma identidade moderna.
Ao terceiro momento, certo da sua identidade como um processo único e acabado, esse indivíduo encerra o processo de construção, rejeita qualquer contribuição a mais e desconsidera qualquer outra identidade construída distinta da sua. Para esse encerramento, necessita a este, o romper das relações, que são sempre construtivas, com o outro diferente que ameace sua formação cultural identitária. Buscando-se razões para esse romper, faz-se uso de uma visão etnocêntrica a respeito desse outro ameaçador, e a partir de então se exerce um valor sobre, que na maioria dos casos é depreciativo para justificar a superioridade de determinado grupo cultural. Um pensamento coletivo de superioridade e de inferiorizarão do outro acarreta sérios riscos danosos, pois fomenta motivos e justifica ações de natureza violenta, em outras palavras, essas são de certa forma as mesmas razões que alimentaram a escravidão, a inquisição, entre outros muitos exemplos de intolerância que a história pontua.
O passo inicial para uma proposta de convivência saudável, pauta-se na não interrupção do processo de construção da identidade, de modo que o homem sempre encontre-se inacabado e carente de relacionamentos que o construam, todavia numa etapa adulta o indivíduo desenvolve-se a sujeito da sua vida e não um simples cultivo social, dessa maneira pronto para rejeitar toda cultura que violenta as relações sociais, e abraçar toda cultura que promove vida de qualidade em termos de religião, arte, ideologia, economia... Por fim, colocando sob critério o que virá a ser parte dessa identidade, esse indivíduo também deve atentar-se sobre qual olhar que ele deve lançar sobre as mais diversas manifestações culturais colocadas a seu dispor observatório, pois uma visão que opina a partir de realidades distintas ao nascedouro de determinada cultura, corre o sério risco de desvirtua-se e corroborar numa reprodução de conceitos discriminatórios que partem de experiências isoladas e generalistas.
Portanto o homem é um ser social construído da diversidade das relações, e não há outro modo mais humano de encarar o diferente que não seja apenas como “diferente”, nem melhor nem pior, somente diferente.

Castro Lins

sexta-feira, 6 de maio de 2011

ESCUTAS?





Escutas?

Os templos ruíram sem ruídos,
Perdera Deus agora sua morada?
Onde escondes tua face sagrada?
Por que não atenta a mim teus ouvidos?

Dormir foi meu único pedido,
Acordar contigo o ultimo sonho.
Tanto amo esse Deus que envergonho...
Quisera eu, nunca ter nascido!

Culpa minha do pecado compor
Esse ser que nascer não escolhe?
A cegueira de vê ainda que olhe
O triste viver que queres me impor.

É graça, bom Deus que os seus acolhe
Em afagos tão ternos, embora,
Semeaste esta vida de outrora -
Hoje madura, apressa-te colhe!

Corro para da vida fugir;
A quem com suicídio compare,
Mas é só dor que quero que pare
E não vejo pecado em pedir.

Deus paterno, não ouves quando oro?
A mim concede ter-te de perto!
És pai e se não me escutas por certo
É porque sabe que a morte imploro.


Castro Lins

terça-feira, 3 de maio de 2011

FUNDAMENTAL VERDADE








FUNDAMENTAL VERDADE



A alma é como uma rainha a espera desejosa do seu rei. Diante dela, ao redor do mundo, há incontáveis pretendentes, verdades e mentiras, cujo desejo ultimo é vir a tornar-se objeto do agrado da alma. Todavia na porta de cada coração, que dá acesso intimo a alma, moram os dois maiores e mais poderosos exércitos de proteção do ser humano, a saber: a razão e os sentidos, estes possuem a indelével responsabilidade de reconhecer e ao mesmo tempo deter as mentiras que intentam alojarem-se na alma e trazem ao homem como um todo, danos sem medidas. O corpo necessita do alimento para mantença da vida e a alma se alimenta das verdades que nutrem a vida, dando-a sentido. É como se o corpo responsabilizar-se em fornecer a matéria prima do navio desde a proa ao mastro e a alma, por sua vez, tem em posse a bússola e o mapa que leva ao tesouro desejado, enfim, sem um destino não há porque navegar.


O dever da razão e dos sentidos é sem precedentes iguais, pois se por ventura uma mentira passar por entre tais exércitos, a alma encontrar-se-á desprotegida, vulnerável, prestes a navegar e entregar-se plena a uma mentira. Porém a alma por sua sensibilidade desmedida não foi feita para a inverdade e por certo, diante de uma, a repudiaria. O grande risco, no entanto, procede da mentira que perspicaz se traveste de verdade e conquista a alma com seus encantos hipócritas, a rainha então se apaixona e se curva ao seu rei, até o dia em que toda ilusão, por algum motivo externo, se desfaz e desaparece como a fumaça no ar. Repentinamente a vida pára e já não se sabe para onde navegar, pois o tesouro pereceu e a bússola já não sabe para onde apontar. Cada mentira que invade e depois evade a alma acarreta nela sinais dolorosos de incompatibilidade ou de um parasitismo que a enfraquece e talvez até leve a morte do hospedeiro. Por outro lado, a cada mentira evadida, o tempo é oportuno para a alma se expandir, após a crise, para comportar e recepcionar novas verdades, estas mais dignas de confiança do que as de outrora.

Uma alma ferida é levada reforçar suas defesas, de modo que as verdades são colocadas a prova por testes ainda mais infalíveis pertencentes à lógica e aos sentidos, de forma, quase sempre equivicada, a creditar validade apenas as verdades postas nos conformes da ciência. O medo de vivenciar um novo equívoco, algumas vezes, promove na alma um caráter cético que suspeita e repudia grande parte, ou talvez todas, as verdades colocadas a disposição. Sem dúvida esse é um mecanismo útil de defesa do ser, todavia se esquece que a alma carece de verdades como o corpo carece de alimento e longos períodos de privações adoecem a alma, em termos mais concretos, essa ausência afeta negativamente os relacionamentos pessoais entre pessoas.
A suposição de uma alma desprotegida a mercê de invasões de toda natureza ideológica, é sem fundamentos, pois a mesma dispõe de toda uma lógica, além de um conjunto de regras invariáveis construídas socialmente e que também são parte de uma consciência natural do homem que auxilia no discernir entre o bem e o mal, e ainda, entre o verdadeiro e o falso. Todavia temo em crer, que há algumas exceções que despreparam todas as defesas da alma e por fim enganam os sentidos. Ocorre quando os exércitos de defesa de repente encontram-se incapazes de exercer a menor reação diante da passagem de dois invasores, são estes: o amor e a fé, contra eles não há impedimento.



Tratemos do amor: Nem sequer há necessidade de narrar os inúmeros casos em que o amor sobrepõe a razão, desmerece as regras e seduz os sentidos; ele cativa a alma que se dá sem reservas, e em conseqüência altera a vida cotidiana do individua que por vezes ganha novos rumos, de modo inconsciente o amor manipula os sonhos que, a partir de então, são sempre favoráveis as vontades desse novo amante da alma.

Mesmo usando o termo: "invasor", nem sempre o amor traz malefícios ao seu hospedeiro, na verdade ele é indispensável para um ser humano de natureza relacional. Entretanto, essa abertura na defesa da alma proporciona, por um lado, a oportunidade do amor tão esperado e, por outro, um acesso livre para dezenas de ilusões travestidas de amor. Devo convir que esse é um risco necessário, porém a ilusão tem vida curta e quando ela se vai, como já relatado acima, as dores da desilusão de um amor perdido são indescritíveis. A alma é a matriz da sensibilidade humana e qualquer toque de mentira rasga-a violentamente, roubando dela sua funcionalidade e fazendo-a, a cada mentira, mais insensível.


Tratemos modestamente da fé: esta age em termos semelhantes ao amor. A razão ainda consegue participar da fé, todavia a fé sucede a razão de modo que não é rara a fé que implanta-se na alma, mesmo contrária a uma lógica resistente num primeiro momento. Num segundo momento, a razão, já indefesa diante da tomada da fé, deixa de lado a tentativa de provar a fé em termos de existência, pois para a alma invadida a comprovação é desnecessária diante do fato, e o empenho da razão, a partir de então, decorre na tentativa máxima de explicar de modo a dar sentido à fé em suas manifestações. No que diz respeito aos sentidos, estes perdem algumas de suas funcionalidades perante a fé: Tomé pede para tocar nas chagas das mãos de Jesus após este ressuscitar dos mortos, e as escrituras cristãs esclarecem esse momento com a seguinte frase de Jesus: “Felizes aqueles que não viram e creram”.


Segundo Paul Tillich, “fé como estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente”. Quando algo perpassa pelas portas do coração e toca a alma, esta já não estabelece condições para fé e se curva cativa ao seu rei. Por meio de tal virtude e constatação, as escrituras dizem que ao Senhor Deus ama-se de todo coração, força, entendimento... Pode-se convir que não há barreiras na alma para fé, todavia, a mesma problemática carregada pelo amor, também segue a fé. Do mesmo modo que essa abertura irrestrita da alma deixa-a acessível ao toque de Deus, também a vulnera ao toque de dezenas de ilusões travestidas com a roupagem de Deus. E como a fé consiste incondicionalmente, suas práticas também não respeitam limites de modo que em nome de um “falso deus”, qualquer tipo de perversão e atrocidade também são reflexos de uma fé incondicional. O livre acesso pelas defesas da alma, infelizmente, possibilita a passagem de toda espécie de ilusão reivindicando o trono de deus para a alma.

Partindo da premissa constatada, que diante da fé e do amor boa parte do sistema de defesa da alma encontra-se inerte e quase incapaz de distinguir entre a verdade e a mentira. A pergunta é: O que fazer perante isso? Apostatar da fé e negar o amor? A resposta da segunda pergunta é mais simples: não, afinal a alma necessita do amor em termos relacionais e da fé em termos de sentido a uma existência para manter-se saudável, o desvincular talvez seja mortal para indivíduo. Para primeira pergunta a resposta, se é que existe uma, não é tão simples. Excluindo a opção da apostasia da fé e do amor, logo, ambos precisam permanecer em contato com a alma humana para a manutenção de uma vida saudável, ainda que estes, a fé e o amor, possam ser ilusões que, no entanto, são imprescindíveis a vida. Não digo que o amor e a fé são ilusões, apenas esclareço o risco da ilusão que faz uso do amor e da fé.


O que parece claro nessa questão, é que não há parâmetros lógicos nem sentimentos que assegurem a entrega da alma apenas ao verdadeiro amor, ou garantam a fé voltada somente ao Deus verdadeiro. O que tenho de mais inteligível, ou melhor, apresentável, é a distinção do real e da ilusão que, para essas duas vertentes, pode nascer da experiência pessoal e da observação. Pois numa etapa inicial, a alma é tocada por uma suposta verdade e num momento posterior essa verdade vai ser aperfeiçoada e, a cada dia, tornando-se mais digna de confiança, ou, no entanto, ela vai desvanecer, atrofiar-se perante as pressões reais do cotidiano, deixar-se emboscar pela razão ou pela consciência ética humanizada e se revelar, finalmente, como mentira mascarada de verdade. Todavia, o processo da experiência implica erros recorrentes e, algumas vezes, inevitáveis; Implica também em decepção, no caos que desmorona certezas que levaram anos para serem construídas, desnorteamento, dores entranháveis fruto da perca de algo a que se creditou fé, ou da desilusão do amor que alimentou tantos sonhos. A experiência certamente remete ao sofrimento, mas o que se sustem a após as crises possivelmente é a fundamental VERDADE.
Castro Lins

quinta-feira, 31 de março de 2011

CONTO: ÁRVORE DOS OLHOS VERDES


A ÁRVORE DOS OLHOS VERDES (Segunda parte)

“Deus, meu Paim, tu que é acima dus homi. Tu que cunhece a peleja do nordeste e sabe do meu querer bem. Tu que é o poçu prufundo que num seca, cunforme tuas águas que são vivas, mas se faz sedento para compadecer do seu sertanejo. Tu que é Deus do sol e derrama graça como a chuva de inverno. A velhice frágil demonstra o quanto tu é forte e a juventude altiva o quanto sou fraco, igual gaio podre, diante de ti. Peço Paim, uma ultima glória que vai além do que sou. Dá a esse velho, bom Deus, a chance de uma nova vida, devolve, pela sua misericórdia e carim, meus anos perdidos!” Foi caído em terra seca com o sol sobre sua cabeça e a boca sedenta com o gosto da poeira, que o velho Jaime recitou sua oração.

De repente uma sombra... Ele abre os olhos e seu cavalo o estava a esperar. O vaqueiro monta em seu impetuoso cavalo e desperto da fuga do boi do tempo, dispara a cavalgar tão veloz quanto vento sul. Após três dias ininterruptos de cavalgada no rastro derradeiro do boi, o vaqueiro encontra-se por fim paralelo ao animal cujos cascos desterram o chão onde pisam, deixando uma nuvem de terra suspensa pelo seu caminho. Espinhos e galhos lhe são como capim que o vento corta. Estava cego, pela tempestade de areia que o boi causara em sua fuga, uma perseguição sem precedentes semelhantes entre mortais...

Jaime aproxima seu cavalo ao som dos cascos compassados, e enfim suas velhas mãos alcançam o rabo do boi do tempo. Ele sentiu como se seu braço estivesse a ser arrancado, porém nem mesmo o escuro sangue a escorrer por entre os dedos, tirou-lhe a firmeza. O velho cavalo fez seu último desvio em força para esquerda antes de sua morte pelo cansaço, e o boi do tempo foi arrastado e posto em queda, desabou por muitos espaços até, após horas, parar, prostrado resfolegando sem reação. Caído inconsciente, Jaime dormiu por três dias ao lado do cadáver frio do seu cavalo. Quando acordou, seu primeiro respirar consciente soube que seus pulmões agora comportavam o ar como balões bem cheios, seus olhos acompanhavam o horizonte e seus passos testemunhavam uma jovialidade inesgotável. Viril e moço, como seus tempos de herói, ele voltou em pressa de quem furta do tempo, para o encontro com aquela do seu desejo de amor.

Na medida do longo tempo, recuam os espaços; e logo o vaqueiro retornou para o seu sertão. Compassou seus passos vagarosos, intentando atrasar as horas e chegar em sua caverna no exato momento em que a lua frouxa derrama toda sua luz sobre a noite, no esperado instante da visita do amor que não bate em portas, apenas entra e logo faz morada como hóspede.

Toda espera naquele momento encerrou-se. Jaime entra na caverna e a luz da lua continuava a infiltrar por entre a brecha enlarguecisda, iluminando o gélido corpo de vida ausente da bela jovem, cujos olhos verdes agora estavam cerrados em fechadura.

O príncipe dos vaqueiros tremeu como uma criança que não sabe o caminho de casa. De joelhos diante da moça de pele confundível com a própria terra onde faleceu, ele chorou, pois agora havia acumulado muitas águas em sua alma. Ao seu lado estava o poço seco, cúmplice da assassina sede. Naquele mesmo local, enlutado, ele a enterrou como o camponês que enterra a semente na esperança da chuva. A brecha da caverna ganhou mais tamanho, para que a lua o consolasse com sua luz e o sol zombasse do seu degredo.

Dia e noite Jaime chorou sobre a terra onde enterrou sua amada de olhos verdes e pele cor de terra. E quando não havia verde algum por sobre a terra do nordeste, regado a lágrimas diárias, um pequeno broto rompe o solo e nasce. Um milagre! Naquele dia choveu no sertão embebedando a vida árida. A pequenina planta de olhos verdes, nascida sobre a morte, cresceu e tornou-se árvore, viveu os mesmos anos que o vaqueiro conquistou em sua vitória sobre o boi do tempo.

Jaime ganhou uma nova vida, apenas para saborear o doce vício do amor que se apodera do amante e o amargor triste de perder a quem se ama; “o que adiantou anos mais, sem ela comigo para vivê-los?” Repetiu seu jargão por muitos dias... Todavia logo pode convir que destino pior, tem aquele que morreu sem nunca amar, sem nunca entregar-se ao risco ou a busca do tempo, tentando de alguma forma deter-lo para estender um segundo mais a felicidade.

Diante dos anos dados, Jaime deixou sua vida antiga, seu afã pela fama e glórias heróicas. Dessa vez viveu uma vida ordinária, simplória para apreço do bom Deus que se agrada dos seus pequeninos. Guardou a sela e passou a viver de pequenos artesanatos oriundos apenas da sua “árvore de olhos verdes”. A despeito da tamanha simplicidade, a história da sua segunda vida também percorreu o nordeste como o sopro do vento com tantas direções, pois casais incontáveis vinham a seu encontro para que forjasse de sua árvore alianças de madeira. Alguns fizeram desse artesanato, o símbolo de almas jovens que ousam contra o tempo. Símbolo de um amor de origens sertanejas humildes, plantado em terra seca, regado a lágrimas, mas, sobretudo forte, vivo e verde como olhos da bela jovem da pele cor de terra molhada.

Castro Lins

Certamente ao ler, em qualquer estação do tempo, saberá que escrevi para você esse conto de madeira, fruto do meu simplório artesanato. Espero mágica dele... Que ele seja símbolo de amor, tempo e força em sua vida, ainda que em dias de seca. Dedico-te com todo meu carinho nordestino... Castro Lins


NÃO AMAR


“Hey, você me ama?”
Um palpite vou arriscar:
Eu te amo contra minha vontade,
Se no amor houvesse liberdade,
Escolheria não amar.

Não há lógica nesse sacrifício,
Não há prazer sublime ou algo mágico.
Quem ama é mártir por puro oficio,
E seu amado não passa de um sádico.

A todo amor uma cruz precede:
“Pai, afasta de mim esse cálice!”
É o pedido que todo filho pede.

Todavia há outra vontade além,
Diante dela dirá o que, filhinho?
Resta-lhe somente o pobre amém
E na boca o gosto acre desse vinho.

Eu amo por essa Maior Vontade,
Aquém dei escrava minha liberdade;
Cheio sim de má vontade sem fim,

Mas amo porque o amor quer e invade,
Domina o meu incondicional, abusa e
Pede toda minha felicidade;
Não é sem razão que tanto reclamo...
Infelizmente não há outra verdade:
Eu te amo, te amo, amo

Castro Lins

sexta-feira, 25 de março de 2011

CONTO: ÁRVORE DOS OLHOS VERDES


ÁRVORE DOS OLHOS VERDES
(PRIMEIRA PARTE )

Houve tempos em que os heróis nasciam no nordeste brasileiro, vestiam couro impenetrável, cruzavam a caatinga hostil em seus cavalos impetuosos a arrebanhar. Quando despertos a fuga do boi ligeiro, os vaqueiros disparavam a cavalgar... E quando por fim paralelos ao seu alvo, um desses prendia sua mão firme como corrente no rabo do boi arisco e com um forte desviar esquerdo do seu cavalo, o pobre animal fugitivo vinha ao chão erguendo poeira para ocultar sua queda abruta. Toda aquela perseguição empolgava o dia a dia do sertanejo. E o árido solo nordestino era um coliseu romano onde o homem e a fera arisca furtiva duelavam, uma caça envolta a arte de perseguir e derrubar, uma tourada brasileira que foi parte do trabalho exaustivo do sertão em dias de outrora.

Seu Jaime foi o maior vaqueiro de profissão conhecido entre aqueles tempos, pisara em todos os solos denominados nordeste desse Brasil, derrubou tantos bois quanto os dias da sua vida. Cavalgava esbelto e levava em sua garupa os corações das moças dos vilarejos por onde passava, deixava-as carentes, amputadas de órgão tão vital sempre quando ele partia em busca de uma nova aventura, um novo desafio. Jaime conquistara o respeito do povo pobre pela sua humildade e coragem, ninguém contava histórias como ele! Também se beneficiou de forma tamanha das riquezas dos fazendeiros, que logo careciam de seus serviços como vaqueiro.

O tempo é um boi santo e bravo que nem o próprio Jaime, príncipe dos vaqueiros, poderia perseguir e deter, ele não é nunca arrebanhável e foge como uma presa que zomba de seus caçadores. Conta a lenda que aquele vaqueiro capaz de emparelhar-se em corrida com o boi santo do tempo e, ferozmente, freá-lo puxando por seu rabo para então lançá-lo em terra, esse tão capaz, seria galardoado com uma nova juventude viril. O tempo será retrocedido para coroar esse vaqueiro vencedor.

Durante os dias do mandacaru verdeado, do caju que trava na boca e da pitomba com caroço... Jaime tinha se empenhado sobre tudo nessa vida e sua fama de herói do nordeste ganhou até as terras mais distantes e agrestes, entretanto, o boi do tempo havia fugido de suas mãos de corrente e Jaime envelheceu. O vaqueiro refugiou-se enquanto sua velhice, em uma terrinha simples de trechos salobra no sertão baiano.

O sol que estava sobre a terra, decidiu fixar-se não cedendo espaço para nuvens escuras que lembram um belo dia para o sertanejo. Por um tempo de sobremodo incômodo a qualquer vida, não chovia no sertão. Os rios secaram. A fome tornou-se peste que levou muitos embora consigo. A semente foi a primeira a ser enterrada e lá permaneceu sem nunca ousar germinar. A seca fez da terra esposa estéril e dos homens maridos infrutíferos, certamente a mais algoz conhecida pelo seres que moram embaixo do sol. Poucos fortes da caatinga ainda sobreviviam. Entre estes estava Jaime, quando todos outros de sua idade jaziam mortos.

A vida ainda resistia, cativa a seu velho corpo. O vaqueiro possuía em suas terras uma caverna, um lugar em segredo onde milagrosamente ainda havia água barrenta em um poço secreto. Era dessa fonte escondida que o próprio retirava o seu resto de vida, ainda bebia ele e seu velho cavalo de mocidade. Jaime vigiava atento dia e noite sua fonte, pois sabia bem que não podia dividi-la para mais alguém antes que a seca findasse. Todavia naquela noite ultima, dava a lua mais luz que o necessário e entre as sombras o atento vigilante percebe o aproximar de passos a adentrar lentamente em sua caverna. Ele segue o vulto, pronto para um degradante possível duelo pela água. A espreita, escondido entre os lajedos, Jaime observa a aparência do ladrão que de repente é revelada, quando este cruza uma brecha na caverna por onde a luz da lua penetra de forma irrevogável. E o vulto dá lugar a uma bela jovem de traços exóticos, com a pele cor de terra molhada e os olhos de um verde incomparável, afinal, por muitas datas que não houvera verde por sobre a terra. Como nunca antes Jaime estava encantado, sem medidas. Aquela moça era como a chuva mais esperada em anos de sequidão, sua pela confundida com a terra a que pisava e seus olhos de um verde como de um jardim suspenso.

Não havia luz da lua todas as noites. Mas a despeito, o vaqueiro espera a razão do seu encanto por entre as sobras observando-a beber. Á água passara a ser comum, como se fosse farta num rio, cuja importância viera a ser apenas de isca, ou luz que atrai a mariposa desejada. Jaime apaixonou-se perdidamente pelo verde dos olhos da moça da pele cor de terra. Num árido dia decidiu se preparar para então, naquela noite, revelar sua paixão para aquela que ele já a muitas noites conhecia por observar; deixaria ele seu oculto esconderijo nas trevas e contemplaria de perto os olhos de sua amada. Todavia, quando ao dar de beber ao seu cavalo, percebeu o seu reflexo ligeiro e colorado na água barrenta do seu poço. Lembrou da sua velhice em oposição ao seu passado heróico. Os traços maldosos da idade fizeram-no temer o repudio ao revelar-se a sua preferida. Jaime não pode chorar ainda, pois a seca alcançara a sua alma. Decidido a um ultimo gesto de fé antes da morte pelo desgosto tristonho, o vaqueiro selou seu velho cavalo, precaveu-se do máximo de água que poderia carregar e partiu veloz em busca do boi do tempo, decidido a derrubá-lo e ganhar em troca sua juventude de volta.

Em sua velhice, naqueles dias de seca e fome, o vaqueiro novamente cruzou todo o nordeste na busca corajosa do boi santo do tempo. Viu em sua viajem muitos miseráveis e retirantes fugidos da seca, relutavam contra a morte que os perseguia em encalço. Três meses passaram, e quando a morte sedenta veio das trevas buscar os últimos suspiros do lendário vaqueiro, ou quando o mesmo mal conseguia manter-se mais sobre seu cavalo. Sem espera, algo acontece e surpreende até mesmo a morte que interrompe sua vinda. Um vento altivo de ímpeto indescritível e força indelével perpassa entre a mata, levantas suas folhas secas, choca-se com o velho vaqueiro e o derruba sem esforço do seu cavalo. Era o boi santo tempo, fujão e zombador. Castro Lins

(CONTINUA)

sexta-feira, 4 de março de 2011

TEOLOGIA EM INSERÇÃO

Teologia em inserção

Desvios no curso inicial da vida, são efeitos diretos e, por vezes, conseqüentes do simples fato consistente de acreditar em vocação. Diferente de um prédio projetado invariável, a vida por sua vez se projeta enquanto se constrói, ou melhor, vivendo-a. A cada passo que se vive, o homem pode depara-se com descobertas sobre ele capazes de mudar planos sólidos ou até mesmo os sonhos mais almejados. Entre tais descobertas, a de maior persuasão é, sem dúvida, a vocação. Ela coloca cada indivíduo em seu lugar exato na sociedade, como uma peça indispensável para o funcionamento de uma máquina ou um órgão vital para o corpo.

Na busca ininterrupta desse meu lugar entre as pessoas, encontro na teologia meu encaixe como peça nesse quebra - cabeças social. Muito além da cômica curiosidade da criatura a procura de entender o Criador, a teologia se insere na minha vida como a área de conhecimento na qual claramente me identifico, melhor sei reproduzir, criar e recriar, enfim, aplicar de forma direta nas vidas que me cercam. Surpreende-me e cativa de sobremodo, a forma singular que a pessoa de Jesus penetra, influi sobre alguém e transforma sua substancia impura, como mágica ou química, em algo de natureza nova, ou mesmo sincera; consciente pecador ascendendo pelo caminho que leva a perfeição varonil. Um novo nascimento sem a necessidade de retorno ao ventre materno, uma observação transcendente que como nenhuma outra é digna de notoriedade. Talvez nenhuma outra profissão ou ideologia, seja capaz de atingir de modo tão significativo e poderoso a vida das pessoas, ao ponto da fé tornar-se centro único que move (pelos mais diversos caminhos), direciona, unifica vidas. Apesar dos tantos equívocos eclesiais, a religião nunca se ausentou da história; ela é parte das sociedades e da alma humana e, a meu ver, em virtude, digna também de análise e estudo.

A teologia empreita a frente uma caça por respostas, cujas perguntas promovem a marcha da vida em busca de sentido e felicidade, por essa razão ela sempre se coloca imersa a todas as questões indissociáveis ao homem. Sem dúvidas, entender Deus vem a ser uma presunção sem medidas, todavia a marcha por resposta certamente caminha indesviável ao Seu encontro. Por sua importância e presença inquestionável no cotidiano humano, ser teólogo insere-se nos meus planos como objeto digno de vivenciar e fazer uso para benefício das pessoas e crescimento próprio. Crescimento em termos de fé, serviço e descobertas.

Jesus já é alguém intrigante e atraente o bastante para justificar a dedicação de boa parte de minha vida na tentativa de interpretar sua real mensagem, para assim envolver-se por ela e enfim difundi-la na espera de mudanças reais que começam na vida, mas cujos efeitos, acredito, vão muito além do tempo, ou mesmo da morte. Sem tantos mais rodeios, confesso que inserção da teologia na minha vida alimenta minha fome de conhecimento sobre Deus, todavia não fixa cegamente meus olhos para o céu, pelo contrário, aproxima-me involuntariamente das pessoas, pois é nelas que os termos abstratos da fé se concretizam e, afinal, são elas o objeto do amor divino. De modo que teologia não se prende apenas a sua relação com o estudo de Deus, mas estende-se, sem medidas, em direção as pessoas. Por essa razão talvez, relaciona-se sempre a teologia ao ministério pastoral, pois afinal, pastorear em termos simples resume-se em cuidar das pessoas. Entendendo assim, o pastoreio é parte integrante dos meus projetos de vida e certamente a teologia contribuirá para essa realização.

Em termos mais diretos: cuidar das pessoas, auxiliar como servo nos ministérios da minha igreja – principalmente no que diz respeito ao ensino - e galgar uma evolução acadêmica progressiva, são objetivos pretendidos por mim e essa graduação vai ser um sólido e necessário fundamento para concretizá-los. Além de qualquer argumento, acredito também em vocação e estou disposto passar as páginas de uma vida objetivada pelas minhas necessidades, e atentar a essa voz que promete apenas um lugar de servo na sociedade, uma fé a ser guardada e uma carreira que ainda preciso completar.

Castro Lins

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O DIA DA ILUSÃO





Particularmente aprecio, sem medidas, a data do natal. As luzes são encantadoras e seus enfeites travestem a vida com um brilho magnífico que esteve ausente durante um ano quase inteiro. As refeições são fartas e as mesas se compõem de familiares que normalmente estiveram ausentes durante muito tempo. As igrejas ensaiam corais, entoam lindos louvores sobre o dia em que Deus fez-se menino para habitar entre os homens a fim de salvá-los, trazendo raros nuances do nascimento de Jesus que estiveram ausentes da memória por praticamente um ano, perdidos entre os meses que antecedem dezembro.

Sinceramente, a magia natalina não importuna meus sonhos. O que em verdade preocupa é o que esteve ausente durante o restante do ano. O natal é encantador, e não poderia proceder de outro modo, pois romanceia a vida nos moldes que ela deveria decorrer durante o ano todo... Todavia, é imperdoável limitar a ceia – alimento responsável por amarrar os laços de uma família - a apenas uma noite em especial; ou escolher somente um entre os outros tantos dias da vida para ser grato a Deus. Restringir o nascimento do esperado Cristo a um dia na história, seja ele qual for, faz de Jesus mais uma entre inúmeras lendas de seres extraordinários. Apenas mais alguém improvável, personificado nos livros de história e nos contos imagináveis, ou um Bicho Papão que a igreja inventou para amedrontar os homens e encabrestar suas ações. A inabilidade para c rer e festejar a encarnação de Deus no transpassar de cada dia, faz do natal a data que os homens escolheram para viver sua maior mentira... Feriado cuja razão não vai muito além das massivas compras de pessoas entregues a apelos consumistas.

Os homens aprenderam a selecionar datas para boas obras e virtudes, na tentativa de calar uma consciência que requer em exigência, tais atitudes diariamente; não se constrói um castelo em feriados, pelo contrário, o que é de importância suma, exige a maior parte do nosso tempo.

De forma semelhante aos judeus, contemporâneos a Jesus, que deixaram o real significado do sábado perde-se nos moldes sólidos da tradição, os cristãos também estabeleceram o seu dia da ilusão, a saber: o domingo. Para alguns, esse é o dia, entre outros seis, escolhido para falar, vestir, cantar e enfim viver como cristãos. O dia da ilusão. Pois o castelo verdadeiro ao qual cada homem constrói, reside no lugar ou nas ações pretendidas com a maior parte do seu tempo, de modo que, em maioria de casos, as horas dadas ao trabalho ou a escola e família são de sobremodo maiores comparadas a aquelas dedicadas a visita dominical numa igreja. Portanto são essas as horas, e esses os exatos locais onde o real cristianismo merece ser manifesto com inteireza.

O domingo ganha termos hipócritas quando se diferencia do restante da semana: Quando Deus é exaltado com palavras no primeiro dia da semana, numa construção eclesial e esquecido no segundo dia num estabelecimento comercial desonesto, por exemplo. No terceiro dia por vir, Deus é ignorado no lar de pais e filhos intransigentes e carentes do menor sinal de afeto, cabível a família e ainda mais aos cristãos. No quarto dia, já tão distante do domingo, a alma encontra-se vazia e faminta por qualquer forma de relacionamento seja ele real ou não, abusivo ou faça uso egoísta de alguém. No quinto dia, Deus é retirado do campus universitário e preso nas gaiolas da igreja, local seguro onde Ele não pode chocar-se com ideologias ou talvez interromper os interesses tão comuns de ascensão social e distinção econômica que a universidade tanto propicia. Deus é tão sagrado, que ao sexto dia é excluído do ambiente de trabalho e assim Ele não pode ouvir todas as palavras maldosas e traiçoeiras que se profere contra colegas, ou um chefe. Ao sétimo dia Deus descansou, mas o homem continua a correr pelas cidades sem saber ao certo onde deseja chegar, a passos largos despercebido para as vestes maltrapilhas dos mais pobres que contrastam as roupas cristãs formais de domingo, o primeiro dia.

Dividir a vida em compartimentos à mercê de períodos ou ambientes, é uma forma perigosa que impede que o homem exerça o papel de um único personagem ao longo dos seus dias, sobre o palco particular da existência que possui apenas Deus como expectador. O Natal é uma mentira! Pois não é enorme o bastante para substituir todas as ausências do ano; de modo que sua veracidade depende, exclusivamente, do natal celebrado em verdade e amor todos os dias que possam anteceder dezembro. De caráter indistinto, os cultos dominicais são ilusões que ganham tons reais e veracidade apenas quando celebrados todos os dias conscientes de uma vida, fazendo do trabalho, lar, clube, trânsito, escola, cinema, fazenda... locais sagrados de culto continuo. No entanto, o papai Noel aparece uma vez no ano, na noite de natal. Semelhante ao deus feito de ausências, cujas aparições se limitam a um dia da semana. Entristece convir que muitos ainda acreditam no Papai Noel dos domingos à noite.

Castro Lins

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A ESTRANHA AMIZADE




Interessa atentar aos amigos e o modo como nos relacionamos com eles. Estranhamente, cada vez menor a proximidade, mais os tratamos com cordialidade e respeito. Temos- os semelhantes a visitas, oferecendo sempre o melhor - como um sinal de hospitalidade - tendo sempre em mente que as visitas nunca permanecem por longos períodos em nossas casas, assim, esse sacrifício cordial é encarado como breve, finito e louvável. Todavia quando se trata de amigos de verdade as ordens se invertem: ao invés de uma breve visita e posterior afastamento, o amigo a cada dia se aproxima mais tornando a cordialidade e o respeito um sacrifício duradouro demais que logo é posto de lado. Não é difícil identificar sinais de bons e velhos amigos, basta perceber os apelidos carinhosos ou gozadores; basta observar a implicância de um com o outro, ou a forma cara de pau que um se intromete na vida do outro sem medir palavras nem vender conselhos.


As formalidades se corrompem, pois nunca de boa consciência alguém, despercebido, deixaria escapar uma furtiva lágrima na frente de uma ilustre visita, porém, no que diz respeito aos amigos, lavamos o chão com todo nosso pranto se assim exige um desabafo. Mais cômico ainda é o modo ao qual reivindicamos dos nossos amigos alguns direitos: atenção, carinho, conselhos, dinheiro emprestado, telefonemas em horas importunas, depoimentos virtuais, memória impecável e entre outros. Fardos por vezes pesados e que nunca ousamos impor a um estranho. Favores a níveis mais difíceis remetem sempre ao amigo de nível mais verdadeiro, de modo que os sacrifícios do cotidiano estão sempre a cargo dos melhores amigos. Nem mesmo a memória dos amigos escapa de tantas exigências quando a questão refere-se a datas. As brigas também são um fator curioso, pois não é difícil crer que na mesma medida eminente da amizade, ocorre uma freqüência maior de brigas e uma disposição ainda maior para reconciliações.


Penso nesse instante, que todas essas estranhas relações entre amigos assemelham-se ao tratamento mais comum entre os irmãos: para esses, as implicâncias e discussões são tão normais quanto a ternura, altruísmo e proteção de caráter fraternal; de forma que os sinais de um desapontamento e total afastamento entre amigos ou irmãos não são exatamente as brigas, exigências, invasão de privacidade ou a falta da cordialidade ... mas sim, sem dúvidas, o sinal mais verificável corresponde a indiferença nos diversos aspectos da vida do outro. A inevitável petrificação do coração ocorre, não completamente, quando se deseja o mal a alguém – esse estágio de maldade nem sempre é alcançado – na verdade a forma mais comum de separação se faz quando não nos importamos nem mesmo com o bem e muito menos com o mal que afeta aquele que outrora foi próximo a nós.


Essa semelhança aparente entre o relacionamento de amigos e irmãos, não tem outra razão lógica a não ser o fato que a amizade é um caminho de aproximação que alcança a estatura da irmandade, implica também no que diz respeito aos desagrados, como já ditos: implicâncias, exigências... Todavia o fator mais glorioso é o aspecto da proteção e apreço cabíveis aos irmãos, porém conquistados com bravura pelos amigos. É uma elevação do amor... como mágica que transforma dois sangues distintos num único somente. A amizade é desafiar o destino e reescrevê-lo inserindo na história dois irmãos que outrora foram estranhos, nascidos de mães diferentes. As relações do amor são confusas de métodos indelicados, que por vezes fogem do nosso entendimento, e aos olhos dos homens são engraçados e sem sentido. Por outro lado, os incovenientes da intimidade são um preço mínimo comparado ao prazer de um amigo verdadeiro... Fazer dos simples visitantes da vida, irmãos para eternidade... é como fazer de um mundo separatista e indiferente uma enorme família num banquete de natal. Bem aventurado quem faz de um amigo um irmão chegado.


Castro Lins

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DESTINADO



Confissões dispostas no destino...
Falsas palavras nas quais repito,
São ordens de bom parecer divino,
Teatro de roteiro outrora escrito.

Dias póstumos postos no passado,
Igual aos mortos são os vivos visto
Que ainda nada pode ser mudado-
A eternidade com fim previsto.

Mas foi num dia chuvoso de repente,
Ousei contra o destino fi-lo ausente
Minutos... e Deus deu-me alguns somente;

Bravio roubei do destino sua pluma,
Navio de mar nordestino de espumas,
Doçura que dura minutos de bruma;

Céu de cheiro macio para os dedos,
Água pura que nas mãos corre turva,
Mel dos olhos e chora a cheia chuva
Para mares lava alma e leva os medos;

Avermelhados lábios são telhados
Talhados aos anseios mais pedidos
Das preces poemas dados aos ouvidos
Do Deus o escultor de tudo criado;

Criado do destino ditador...
Por minutos fui livre e libertado,
Liberto a milhas perto do amor
Que fugia embora entre os estados;

Poucos minutos de sonho passados,
Acordo do lado e vejo o abandono...
Sono do amor nunca a mim destinado,
Engano do tempo meu sol no outono;

Destinado a nunca esquecer a emenda,
Desvio no destino encurvo de rendas:
Noite de chuva, estrelas e lendas.

Antes do tempo predestinado a estar
Preso afável ao meu amor imutável
E assim destinado ao destino mudar.

Castro Lins